Um governo, uma maioria, um presidente
A revolução do 25 de Abril de1974 pôs fim a um regime autoritário de 48 anos emergido com a revolução de 28 de Maio de 1926, partida de Braga
e encabeçada pelo Marechal Gomes da Costa como reacção aos desvarios ocorridos na sequência da implantação da República em 5 de Outubro de 1910, revolução que haveria de levar o doutor António de Oliveira Salazar de professor da Universidade de Coimbra a ministro das finanças primeiro, e a Presidente do Conselho de Ministros depois.
Realizadas as eleições constituintes em 25 de Abril de 1975 e as legislativas um ano depois, a 25 de Abril de 1976, saiu vitorioso o Partido Socialista com 34,9% seguido do PSD com 24,4%, do CDS com 16% e do PCP com14,4%, da qual emanou o primeiro governo constitucional presidido pelo dr. Mário Soares em 25 de Julho de 1976, que duraria até 23 de Janeiro de 1978.
Depois de vários governos - II, III, IV e V - de iniciativa presidencial do General Ramalho Eanes, o último dos quais presidido pela Engª. Maria de Lurdes Pintassilgo (1/1/1979 a 3/1/1980), tiveram lugar as eleições legislativas de 2/12/1979 que conferiram a vitória, com maioria absoluta, à coligação eleitoral PSD/CDS/PPM (45,3%) da qual viria a ser constituído o VI governo constitucional presidido pelo dr. Francisco Sá Carneiro.
Face à forte instabilidade governamental que até aí se verificava, levando à constituição de cinco governos em três anos, assim como aos graves entraves criados pela revolução de Abril tutelada ainda pelo Conselho da Revolução, cujas amarras impediam a concretização da Democratização e do Desenvolvimento, dois dos três principais objectivos da revolução de Abril, defendeu por isso Sá Carneiro a ideia de “um governo, uma maioria, um presidente” como princípio fundamental da sua estratégia política que refletia a sua visão da necessidade de estabilidade governativa sob uma mesma orientação política.
Com esse objectivo, viria a apoiar a candidatura à presidência da república do General Soares Carneiro contra a do general Ramalho Eanes, que viria a contribuir para a sua morte a 4/12/1980.
Se tal estratégia, ao tempo, se justificava face à necessidade de levar por diante reformas profundas capazes de permitir ao país ultrapassar os grandes entraves colocados ao desenvolvimento pelos excessos revolucionários de 1974 que haviam destruído a economia, colocando praticamente todos os principais sectores da atividade económica, social e cultural nas mãos do Estado, não é esse o caso nos tempos de hoje, em que outros princípios deverão, claramente, estar presentes no organização e fortalecimento do nosso estado democrático.
Na verdade, já a nossa Constituição estabelece, no seu artigo 110.º, que são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais, determinando o artigo 111.º a sua separação e interdependência.
Vem tudo isto a propósito da actual polémica acerca do perfil do futuro Presidente da República que deverá ser, segundo a grande maioria dos observadores e comentadores da nossa praça, alguém com experiência política e com ligação aos partidos, facto que a mim parece ser completamente contraproducente.
O histórico vem-nos provando que não é o simples gesto da entrega do cartão de militante ao partido que despe a pessoa da sua ligação umbilical à força política a que sempre esteve ligado. Veja-se o caso do presidente Mário Soares, no seu segundo mandato presidencial, as dificuldades e obstáculos que sistematicamente foi colocando ao primeiro-ministro de então, Aníbal Cavaco Silva, perturbando e até impedindo mesmo a optimização da acção governativa.
Veja-se também a acção do presidente Cavaco Silva na sua relação com o primeiro-ministro José Sócrates, como o discurso da vitória da sua reeleição e os vários momentos de crispação e obstaculização.
Veja-se também o caso do actual presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que adoptou ora uma posição de forte comprometimento com a acção governativa do primeiro-ministro António Costa, “andando com ele ao colo” talvez para passar a ideia de que adoptava uma política de isenção, ora o estorvava retirando-lhe o tapete, deixando-o desamparado, agradando a seus correligionários.
Excepção à regra, com comportamento bem diferente, terá sido o presidente Jorge Sampaio, que apesar do caso com o primeiro-ministro não eleito Santana Lopes, tenha sido, talvez mesmo, o presidente mais isento até aos dias de hoje.
Creio, no entanto, poder afirmar-se que a eleição de um presidente da república fortemente conotado com um partido político não será a melhor solução para o país, já que, com muita probabilidade, tal situação constrange o exercício da sua função.
Quanto à questão da experiência, no caso, experiência política, costumo dizer que depende da sua qualidade. Prefiro trabalhar com uma pessoa sem experiência para uma nova função, mas com capacidade para assimilar competência, do que trabalhar com alguém cuja experiência o dotou de vícios difíceis de corrigir.
A procissão ainda vai no adro. Aguardemos os desenvolvimentos que se aproximam e tenhamos todos a lucidez de saber escolher a solução que melhor possa servir o país, agora, neste especial momento de grande indefinição do futuro de Portugal, da Europa e do Mundo.
Guimarães,
4 de Fevereiro de 2025
António Monteiro de Castro