Gentileza em tempo novo
O mundo está em suspenso. A tomada de posse de Donald Trump é uma espécie de interlúdio democrático, num país que sempre
foi considerado o farol liberal da própria democracia.
Como se chegou aqui? É difícil de perceber, tendo em conta que a própria democracia americana foi posta em causa por Trump, no discurso que levou os seus apoiantes no ataque ao Capitólio. Num país em que tanto se fala dos checks and balances, ou seja, dos travões e contrapesos que, teoricamente, não deixam ninguém se apropriar do poder de forma absoluta, não deixa de ser estranho que Trump tenha ficado impune aos acontecimentos de 6 de janeiro de 2021, como efetivamente ficou.
Participei, com todo o gosto, no passado sábado, nas comemorações, em Guimarães, dos 50 anos do Partido Social Democrata. O PSD liderou, por duas vezes apenas, nos 48 anos de poder autárquico pós 25 de abril, a Câmara Municipal de Guimarães. Em ambas as situações, o PSD chega à presidência da Câmara Municipal através de uma força da natureza, o Sr. António Xavier, que antes e depois de ser eleito nunca deixou de ser sobretudo, um homem de Guimarães e das instituições de Guimarães, num trabalho ímpar – como conheço muito poucos - de amor à cidade e aos outros. Ele foi um dos justos homenageados, assim como o Sr. Fernando Roriz, ex-presidente do Vitória no final dos anos 60, ainda muito jovem, e um homem de escrita impecável, o mais intelectual de todos os quadros importantes que o PSD deu a conhecer em democracia. Igualmente o Prof. Lemos Damião, também distinguido, um homem trabalhador e generoso de quem nunca conheci um não, e que era um empreendedor nato antes da palavra se vulgarizar. Por último, mas não menos importante, o Dr. Fernando Alberto, saudoso amigo, um vimaranense à antiga, cuja carreira política começou em 1958, quando decidiu empenhar-se na eleição do General Humberto Delgado e teve de pagar o preço dessa ousadia. Falar da carreira política e cívica do Dr. Fernando Alberto é falar do apego à sua comunidade, da tenacidade, seriedade, do sonho louco e realizável da Unidade Vimaranense. Falar dele é falar de uma população com garra e sonhos que ele tantas vezes, e de forma tão denodada, corporizou e de que hoje restam apenas escombros da memória.
Além destes quatro notáveis homens, muitos autarcas e militantes foram distinguidos pelo seu trabalho. Reconhecer é sempre importante e a Comissão Política, liderada pelo Ricardo Araújo, fez, muito bem, aquilo que era justo fazer-se. O PSD, apesar de arredado do poder executivo, em 41 dos 48 anos de poder autárquico em Guimarães, soube estar à altura das suas responsabilidades.
Mesmo na oposição, pois, também aí, o contributo democrático é importante.
O espírito de Guimarães, da tenacidade das suas convicções, da capacidade de ser um farol económico da região foi-se perdendo, para outros. Estamos, já desde há muito, entretidos numa certa mexicanização da vida autárquica em Guimarães, em que o próprio poder se finge renovar. Uma espécie de evolução na continuidade, enunciada por Marcello Caetano, em 1969. Como sabemos, fruto da sua indecisão e do imobilismo das estruturas do poder, Marcello ficou-se pela continuidade. Há que, cada um de nós, sempre no respeito pela democracia e pelas suas decisões, optar pela evolução. Seria uma gentileza que se faria a Guimarães e à sua longa história.