S. Martinho e a cronologia das últimas crises

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1. Hoje, segunda-feira, dia 11 de Novembro, dia em que escrevo o presente artigo para o Jornal Comércio de Guimarães, celebra a liturgia da igreja católica a memória de S. Martinho,

não de S. Martinho de Dume, arcebispo de Braga no ano 569, tido como o principal responsável pela conversão ao Cristianismo do povo Suevo, fiel ao Arianismo e que tinha Braga por capital, mas sim o seu conterrâneo das terras da Panónia, actual Hungria, conhecido como S. Martinho de Tours por ter sido bispo dessa mesma cidade de França.

Nascido no ano de 315 em terras da Europa central, filho de família pagã e de pai Tribuno Romano, cedo começou por se dedicar à carreira militar, chamado, alguns anos mais tarde, a novos desafios, não à conquista de terras e outros bens materiais por via das armas, mas à conquista do coração das pessoas por via das virtudes. 

Depois de receber o baptismo e de se tornar discípulo de Santo Hilário de Poitiers assumiu a vida monástica e de eremita, fundando vários mosteiros na região central da França, tendo sido ordenando sacerdote mais tarde e, posteriormente, sagrado bispo da cidade e região de Tours.

Reza a lenda que se cruzando o cavaleiro Martinho com um mendigo sem roupas, exposto ao gélido frio que por esta ocasião grassa, normalmente, no centro da Europa, se sentiu dominado por aquele inofensivo e indefeso homem e que num instintivo gesto despiu a capa, dividiu-a ao meio com sua afiada espada dando metade ao mendigo. Perante tal gesto de partilha e de amor ao próximo, haveria o Senhor Deus do Universo, fazer brilhar o Sol e amenizar a temperatura, fazendo assim que em pleno Outono regressasse o Verão aliviando Martinho da falta da capa que acabava de partilhar. 

2. Imensas são as nuvens negras que ao longo dos últimos anos têm vindo a adensar o horizonte, de modo especial, o deste nosso velho continente.

Após um turbulento início do século XX, recheado de transformações políticas e sociais violentas surgidas um pouco por todo o mundo, assistiu o continente europeu ao deflagrar de duas devastadoras grandes guerras - 1914/1918 e 1939/1945 - dizimando dezenas de milhões de seres humanos.

Depois de tamanho sofrimento foram criadas várias instituições internacionais com especial destaque para a ONU, Organização das Nações Unidas, constituída em 24/10/1945 com o objetivo de promover a paz, a segurança Internacional, a cooperação entre as Nações, os direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Mais tarde, em 5/06/1947 era anunciado o Plano Marshall, um programa que duraria de 1948 a 1952 visando reabilitar as economias europeias restaurando a produtividade agrícola e industrial assim como infraestruturas essenciais como estradas, pontes, ferrovias e sistemas de energia.

Representava tal plano um contributo fundamental para a paz, para a estabilidade e fortalecimento das democracias assim como para o estabelecimento de uma ordem económica liberal baseada no comércio livre lançando a génese da aliança transatlântica entre os Estados Unidos e a Europa ocidental, conduzindo à formação da NATO em 1949, força de dissuasão fundamental durante a guerra fria assegurando uma paz duradoura, apenas interrompida aqui ou ali por conflitos regionais, como o Balcânico, com a guerra do Kosovo em 1998, no seguimento do desmantelamento da antiga Jugoslávia após a morte do ditador, general Tito.

Com a entrada neste século XXI, e praticamente já no final do seu primeiro quartel, fomos assistindo ao aparecimento de sucessivas crises como a crise financeira global de 2008 que tendo início nos Estados Unidos da América rapidamente alcançou a Europa provocando a crise da dívida da zona euro 2010/2015 que atingiu de modo especial os países endividados do sul-Portugal, Espanha, Itália e Grécia provocando violenta austeridade e altos níveis de desemprego espoletando cepticismo sobre o euro e sobre a solidariedade dentro da União Europeia.

Com o surgimento da guerra civil na Síria e os conflitos no Afeganistão e no Iraque, assistiu-se, em 2015/2016, à Crise dos Refugiados, trazendo a divisão ao seio dos principais países europeus, com a Alemanha adotando uma política de portas abertas e, países do Leste como Hungria e Polónia opondo-se, alimentando o ressurgimento dos partidos extremistas.

Em 2016/2020 assistíamos a nova crise, a Crise do Brexit que trouxe ao de cima o velho cepticismo do Reino Unido em relação à União Europeia arrastando a questão da Irlanda e estimulando movimentos separatistas como os da Catalunha e da Escócia.

Em 2020 chegaria até nós o vírus aparecido na China em finais de 2019 provocando a Pandemia da Covid-19, trazendo um sem fim de preocupações de grande escala e de enorme impacto económico e social.

Finalmente, em 24/02/2022, deixando vir ao de cima os seus velhos ímpetos imperialistas, assistimos à invasão da Ucrânia pela Rússia com a chamada “operação especial”, pondo à prova a resistência de um povo que abnegadamente luta pela sua Independência e liberdade com sacrifício de milhões de refugiados para a Europa, sobretudo Polónia, fazendo sentir a fragilidade da defesa europeia e a necessidade de reforço da NATO, agora com as entradas de Finlândia e Suécia.

Como consequência das sanções económicas impostas à Rússia, nomeadamente no respeitante aos fornecimentos de petróleo e gás, viu-se a Europa confrontada com uma crise energética e inflação das mais altas das últimas décadas que vieram afligir, de modo especial, os extractos economicamente mais frágeis da população.

Agora, e depois de um longo, renhido e pouco digno debate eleitoral nos Estados Unidos, vemos eleito um homem pouco fiável, amigo e admirador dos maiores ditadores do momento – Vladimir Putin, Xi Jinping, Kim Jong-um, dos quais parece sentir inveja pela forma como são obedecidos e venerados.

A eleição de Donald Trump, deixa a Europa numa preocupação acrescida em relação ao futuro.

Guimarães, 11 de Novembro de 2024

António Monteiro de Castro

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