Do diálogo

Desde meados do século XIX que a análise histórico-económica precisou que o processo evolutivo de qualquer sociedade humana dependia da natureza, do esforço humano

e da acumulação anterior a cada seu momento (simplificando: matérias primas, trabalho e capital). E que essa dependência assentava no contexto dinâmico das relações que se estabeleciam entre esses três factores. Sobremaneira e depois, pela detenção sobre eles.
Dito isto, há que trazer á colação que esse processo, próprio da cada sociedade e estendível a conjuntos delas (quando neles se consigam promover homogeneidades identitárias, ainda que parcelares), tem, desde a sua germinação ao presente e em cada uma delas ou desses, um desenvolvimento sequencialmente consequente; isto é, em que o seu progressivo desenlace foi e é, sempre e só, no seu absoluto, o resultado concatenado de todos as causas que para ele concorrem (ainda que as não consideremos, ou não as detectemos). É que o processo material cósmico é uno em si e em cada uma das seguementarizações da sua componente massiva, das partículas elementares ao seu todo. E como uno que é, cada uma dessas suas partes, das mais ínfimas às mais complexas, interagem entre si em permanência e diferentes intensidades, em espaços e tempos próprios. Ora sendo assim, nele, a sua dinâmica não se concretiza através de contradições, mas, antes e como se referiu acima, numa sequencialidade consequente em que, portanto, cada efeito é sempre a integração, continuada no contíguo do todo, das causas sobre o que nele o antecede (o zigoto em que já estamos não é mais do que a conjugação do espermatozoide e o óvulo dos antecessores). O mais são as limitações humanas apostas a uma lógica fenomenológica.


Chegados a este ponto pode crer-se, portanto, que a “síntese” não é uma razão cósmica e a sua racionalidade como método elucidativo da realidade tem os seus dias contados (os algoritmos indiciam-no). E a sua crida verificação no Universo constitui uma abstracção, já que ela não existe nele como tal e apenas é um ficcionado produto da sua essência evolutiva e sequencial; em que, por conseguinte, cada processo individualizável, para progredir, carece das causas que o promovam e não de quaisquer conjecturadas sínteses, que, repete-se o, não ocorrem conquanto tais no Cosmos. Assim sendo e nesta perspectiva, pode concluir-se que as sínteses não se verificam na matéria massiva, porque ela, no seu se ser, simplesmente se sequencia numa dinâmica ininterrupta de complexizações em espaços-tempos incomensuravelmente intrincados.
Formulada esta última afirmação, regressemos ao enunciado no primeiro parágrafo. À noção de “superestrutura”. Esse espartilho que decide o figurino e progressão de cada sociedade ou conjunto delas. Por isso e numa abordagem rápida como o texto o exige, dir-se-á que ela reside, substancialmente, num ordenamento jurídico condicionante e numa orgânica que lhe é subjacente. E isto independentemente das formas instituídas que nelas se possam encontrar, de democracias à ditadura, porque o que importa aqui salientar é que a superestrutura é-lhes superior e, de certa maneira, autónoma, como advém do facto de poder acontecer quase similarmente em quaisquer dos modelos políticos atrás balizados. Não obstante e como qualquer outro processo material massivo, a superestrutura em cada sociedade ou conjunto, das mais primitivas às actuais ou actual, teve, e tem sempre, uma dinâmica, seja ela de avanço ou retrocesso. O que quer dizer que a superestrutura também não é estática. E com ela e em idêntico movimento gerado por o das infraestruturas, a respectiva sociedade. Só que o que a História nos ensina é que as sociedades evoluem a uma medida temporal que em regra não coincide, ou mesmo só rarissimamente tal sucede, com a da respectiva superestrutura; já que esta é normalmente mais lenta e, assim, actua como travão às inovações daquela. Porquê? Porque o “poder” tende a ser “reacionário”; ou seja, por força da sua índole e logo da aí maior inércia, ele torna-se mais hirto e enquista-se na defesa de um statu quo que de certo modo o privilegia e que, concomitantemente, favorece os estratos sociais que o dominam. Fiquemo-nos, no entanto, por aqui e com a ideia de três processos dissonantes na mesma sociedade ou conjunto delas: o da superestrutura, os das infraestruturas e, finalmente, o das consequências destas sobre a sociedade.

Focando-nos neste último aspecto, o da evolução das infraestruturas e aos efeitos daí decorrentes para a respectiva sociedade, vamos, por agora, reportar-nos tão somente às europeias e ocidentais. Assim e nelas, como será perceptível e linear como a gravidade, ao longo dos derradeiros milénios, elas percorreram uma viagem de sucessiva progressão cultural (termo a que se atribui um significado que engloba todos os aspectos da nossa vivência diária, o ethos no seu sentido mais amplo); sendo nela de realçar a intelectual, a científica e, a não de somenos, humana (ética e em menor escala política).
Chegados a este ponto e para continuação desta oração, passemos a assinalar que, nestas indicadas sociedades, o conhecimento humano em descortinar causas aos fenómenos aumentou consideravelmente e, então, de metade do século passado para cá, explodiu numa progressão que se pode dizer geométrica. Hoje, portanto, é credível poder afirmar-se que uma grande parte deles já se conseguem explicar cientificamente. Isto porque a ciência, como um todo e nas derradeiras dezenas de anos, deu um salto espectacular e prossegue essa senda. Claro que este salto só sucedeu, e tem sido possível, pelo simultâneo acompanhamento e desenvolvimento tecnológico, numa recíproca interdependência que o tem vindo a fomentar. O que, porém, importa nesta altura reter é que o porquê de quase tudo o que nas cerca tem a sua explicação causal; e isto sucede porque a cadeia contínua que antecede o fenómeno fornece um seu saber comprovável (regra em que a excepção está na ainda não apreensão de todas as causas), num encadeamento que, portanto, afasta quaisquer sínteses. E não só, pois ao exclui-las, elimina a confrontação como razão natural de qualquer processo, seja ele planetário ou social.
Assim, os trajecto das distintas sociedades mundiais são, no presente, perfeitamente inteligíveis e as diferenças que se lhe encontram, ou possam assacar, apresentam-se devidamente justificadas por esse seu percurso e como resultado das respectivas evoluções. Só temos que interiorizar isso e aceitá-lo, o que, no entanto, para muitos parece assaz difícil. Conclusão esta que nos remete para o progresso da cultura humanista europeia.
Assim, por cá e já lá vão perto de 2000 anos, não propriamente com a judaica, mas com a cristã e sobremaneira a partir da sua abertura aos gentios, foi-se levantando o véu sobre uma realidade insofismável e que, no entanto, era e continuou a ser como que ignorada, espezinhada mesmo (a democracia ateniense era exclusiva dos cidadãos) e que consiste na unicidade da espécie a que todos pertencemos. Amarelos, brancos, pretos, vermelhos, bronzeados, mestiços ou o que mais seja, “todos, todos, todos”, todos somos animais humanos iguais. As diferenças morfológicas e, ou, culturais não nos conferem qualquer distinção a essa nossa essência natal. Simplesmente essas nossas sociedades nesses idos ainda não estavam, e muitas permaneceram sem o estar, preparadas para esse reconhecimento. E os séculos foram transcorrendo, os horrores acontecendo e só poucos foram adquirindo essa sabedoria (p.ex.: Francisco de Assis). Depois essas sociedades foram madurando e com elas o conceito da igualdade foi tateando a sua carta de alforria, sucederam-se movimentos nesse sentido, revoluções também e por fim o “apocalipse” da 2ª Guerra Mundial, com dezenas de milhões de mortos, incontáveis estropiados, destruições indescritíveis e um mundo acordado para uma mudança de atitude que, no entanto, pouco durou; embora tenha originado a gravidez avançada em que nos achamos. Só temos, pois, que nos atermos a essa realidade das diferenças de iguais e respeitá-la, afogando de vez as práticas interesseiras do colonialismo de assentamento ou as mais subtis do neocolonialismo, em que a superioridade subjugadora decorre de dependências de várias índoles, da militar à ideológica. O caminho que se impõe, portanto, é o da fraternidade, do convívio dialogante e consensual para um melhor futuro neste planeta que, por a nossa insana conduta, vai tendo o seu próprio processo alterado.

Não se compreendem, pois, as ânsias de domínio sobre outros, os jogos político-diplomáticos a tal votados e os intuitos belicistas, onde só o diálogo convergente em prol do “Homem” e da Terra devia estar presente. Tanto mais que todos aqueles, ânsias, jogos e intuitos são “contra-natura”.

Fundevila, 31 de Janeiro de 2024


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