“A LIÇÃO” (se não foste tu, foi o teu pai)

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Tinha previsto para esta crónica, em tempos de rentrée, a lembrança do reinício das aulas nos meus últimos anos de liceal, particularmente do meu reencontro,

juntamente com amigos e colegas, com um sujeito, para nós erigido em figura típica, a qual, porém, nunca vi que fosse lembrada nos vários escritos que têm por tema as personagens típicas de Guimarães dos meados do séc. XX.

Só para que se não perca a oportunidade dessa evocação, por estarmos precisamente em tempo de rentrée, a fim de a ela voltar proximamente é que faço a introdução que antecede.
Só por isso, pois que a recente sobrevivência dos acontecimentos em Israel e na Faixa de Gaza, pela sua violência e irracionalidade, não é de molde que me permita enveredar por episódios mais ou menos picarescos, face ao sofrimento de populações que, estou certo, bem merecem uma vida de pacífica normalidade.
Nascido em 1944, consigo ter memória de imagens, sobretudo fotográficas, mas também algumas de reportagem cinematográfica, da guerra, que perdurou cerca de dois anos, entre judeus e árabes imediatamente após a criação, por decreto, do estado de Israel.
Julgo dever explicar que, aos 6 anos de idade já gostava de folhear o jornal, vendo as imagens e lendo sem dificuldade os títulos mais evidentes, assim como frequentava o cinema (não havia classificação etária), para filmes como o “Heidi” e “O Pequeno Lord”, interpretados por atores reais. A esses fui pela mão do pelo meu Avô – sendo as duas únicas vezes que sei ter ele ido ao cinema; a muitos outros fui levado pelas tias.

Nessa época, antes do início dos filmes, havia os “documentários”, nos quais se incluíam pequenos jornais de atualidades, tipo “Atualidades Francesas”, que, entre outros temas, exibiam trechos da guerra desencadeada com a instituição do estado judaico, em 1948.
Recordo com precisão as imagens da Guerra dos Seis Dias, em 1967 e a Guerra do Yom Kippur, em 1973, ambas já profusamente documentadas em filme e gravação vídeo, sobretudo a segunda.
Presencio agora, com horror e apreensão, as hostilidades em curso, que, convirá ter presente, não são entre Israel e a Palestina, mas sim entre Israel e o Hamas.
O Hamas constitui uma fação extremista que se opõe à Al Fatah, outro dos dois partidos integrantes da Autoridade Nacional Palestiniana, que se auto intitula Estado da Palestina.
O Hamas, que desde 2007 tem a total e exclusiva administração da faixa de Gaza, foi quem desencadeou, de modo inesperado e surpreendente, o conflito em curso, lançando indiscriminadamente milhares de mísseis contra Israel, incluindo cidades, invadindo território israeliano, matando também de modo indiscriminado centenas de civis e raptando muitas dezenas deles que, agora, ameaça fuzilar caso a reação israelita não cesse.
Não pode deixar de registar-se que esta reação, sendo compreensivelmente violenta, é também indiscriminada, visando alvos militares, cujos efeitos colaterais, que atingem estruturas e cidadãos civis, são normalmente inevitáveis, mas dirigida igualmente, de modo deliberado e massivo, contra zonas e bairros exclusivamente habitacionais, numa reação de “olho por olho dente por dente”, sacrifício de civis esse que, se não passa de puro terrorismo quanto ao levado a cabo pelo Hamas, entidade internacionalmente pária ou perto disso, é igualmente condenável e veementemente reprovável se levada a cabo pelo governo de um estado tido como civilizado, cujo reconhecimento é pouco menos que universal.

Apesar da ancestral animosidade entre árabes e judeus, do conflito de milenar e ainda não bem esclarecida origem que opõe esses dois povos, e das vicissitudes por que ao longo dos séculos vem passando o território da Palestina, hoje repartido por vários países criados, mais ou menos artificialmente, na sequência das duas guerras mundiais do séc. XX; lembrando as perseguições e malfeitorias a que a nação judaica tem sido sujeita, mas não esquecendo igualmente as discriminações e humilhações que, em determinados períodos da história de Israel, alguns governos deste estado têm infligido aos palestinianos residentes no seu território, com inclusão dos que têm cidadania israelita; malgrado tudo isso e o mais que praticamente todos os comentaristas e historiadores têm dito a propósito das particularidades do conflito cuja mais recente emergência é aquela a que assistimos, o certo é que, quanto ao ataque desencadeado contra o território e cidadãos de Israel, a solidariedade e o apoio generalizado quem o merece são os israelitas, sendo o repúdio total e veemente devido ao Hamas – mas não aos palestinianos .
Tal como não pode confundir-se o povo de Israel com os extremismos, políticos, religiosos e sociais que nele têm florescido e que deslustram a respeitável nação judaica, do mesmo modo não se pode considerar todos os palestinianos como membros do Hamas, coniventes com este ou apoiantes do seu hediondo ataque.

Deve, pois, reprovar-se, como fez o Governo português, o rápido anúncio pela Comissão Europeia, do corte de todo o apoio à Palestina, nomeadamente humanitário e assistencial.
Só o coro de veementes reações críticas que mereceu o anúncio de tal decisão, a qual foi mesmo considerada ultrajante por membros da União Europeia, fez com que fosse ela revertida.
É também assim que nasce a intolerância, e desta o racismo, fazendo toda uma comunidade pagar pela conduta reprovável ou criminosa de um, ou de uma minoria, dos seus membros. Ou sacrificar toda uma família pelos atos de apenas um dos seus elementos. E isto tem acontecido, vem acontecendo há tempo demais, tanto em Israel como em Gaza.
É elucidativa, a respeito da intolerância, a série israelita que vem passando no 2º canal da RTP, após o telejornal das 21h30; começou no passado dia 3 e está disponível na RTP Play, acessível através da NETFLIX e, provavelmente, de outros canais de streaming.
A série chama-se “A Lição” e face ao que se passa, o seu nome não poderia ser mais apropriado.

Guimarães, 10 de outubro de 2023
António Mota-Prego
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