Historiador revela curiosidades do antigo Convento de Santa Clara
É um dos historiadores vimaranenses mais conceituados da actualidade, sempre disponível a partilhar com a comunidade as descobertas feitas em aturadas horas passadas em arquivos públicos e particulares. António José Oliveira não esconde que a sua especialização é na história da arte, domínio em que fez o doutoramento. Mas essa orientação académica está constantemente a ser complementada e enriquecida com os contextos sociais, económicos e culturais que agitavam a vida dos clientes e dos artistas que, no passado, cobriram de bens esplendorosos o interior de igrejas e outros monumentos de Guimarães.
"O que pretendo é apresentar à comunidade científica novos dados documentais sobre Guimarães, os artistas e encomendadores, e orientar visitas guiadas para o grande público através da Muralha - Associação de Defesa do Património e do Museu de Alberto Sampaio", revela, ao referir-se à causa da sua vida profissional, sempre com entusiasmo, uma energia confiante com que também procura transmitir conhecimentos e estimular competências aos alunos no Agrupamento de Escolas Francisco de Holanda.
A pretexto de fazer um enquadramento sobre a origem e evolução do edifício do antigo Convento de Santa Clara, actual sede do Município de Guimarães, como forma de assinalar o dia de Santa Clara - 11 de agosto - o historiador expressa com clareza a importância que outrora ostentou, no conjunto das instituições religiosas.
"Em Guimarães, temos oito edifícios conventuais, quatro masculinos e quatro femininos. Dois dos conventos masculinos são das ordens mendicantes São Francisco e São Domingos, remontando ao século XIII. Dos quatro conventos femininos, o Convento de Santa Clara é o primeiro a ser fundado em Guimarães. É o Mestre-Escola da Colegiada de Guimarães, Baltazar de Andrade, que fundou o Convento. Adquiriu várias casas e pardieiros que existiam na Rua de Santa Maria, criando o terreiro que ainda hoje persiste e manda edificar o convento em meados do século XVI e vai colocar as suas filhas em reclusão. As primeiras abadessas do Convento vão ser as suas duas filhas", precisa António José Oliveira, ao observar que as armas de Baltazar de Andrade ainda estão na fachada principal.
No século XVIII, o edifício conheceu importantes melhoramentos, revelando a sua influência. "A nível artístico, temos os melhores mestres-pedreiros e entalhadores a trabalharem nas obras. Na primeira metade do século XVIII, o Convento foi ampliado porque ingressaram mais religiosas, com muito poder económico. De 1731 a 1739, será ampliado o edifício, a igreja e a sacristia. Em 1751, ainda se dá a ampliação dos dormitório. É nesse período que se verifica a intervenção de um mecenas - o Arcebispo D. José de Bragança, meio-irmão do Rei D. João V.
Com a ampliação da igreja, fazem-se importantes investimentos no interior, com a talha dourada. Em 1733, constrói-se o retábulo-mor que depois foi vendido em hasta pública em 1924 e que foi colocado no Santuário da Penha em construção, entretanto, e que desapareceu em 1939 no violento incêndio. As ilhargas, paredes laterais do altar-mor, são de 1733, de autoria de Ambrósio Coelho, mestre-entalhador, douradas e pintadas por Manuel Gomes de Andrade. São adquiridas em 1924 pelos vimaranenses, permaneceram algum tempo na Sociedade Martins Sarmento e posteriormente integradas no acervo do Museu de Alberto Sampaio. Há ainda dois altares que estão no Centro Juvenil de São José", descreve, referindo que recentemente no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, descobriu que "quem fez o risco da fachada foi José Moreira, um mestre pedreiro de Rendufe. E quem executou a fachada que vemos actualmente foi o seu irmão Bento Moreira. No edifício, até aparece a data de 1741".
"O ingresso no convento representava a reclusão. Com cerca de 12 anos, ao entrar para a congregação, as noviças rapavam o cabelo e tomavam as vestes de clarissas, ficando isoladas no mundo. A entrada no convento era proibida até ao próprio capelão; as religiosas só tinham acesso ao exterior através dos locutórios, ou parlatórios, recebendo as visitas através de um gradeamento", explica, sinalizando que as religiosas assistiam à missa do coro alto, isoladas da população, contrariamente ao que acontecia nos conventos masculinos.
"Através dos livros de contabilidade, sabe-se que vinha pescada fresca de Vila do Conde. E nos contratos de obra dos mestres pedreiros, é dito que quando os mestres pedreiros que vêem de Leça do Balio quando fossem ao monte extrair a pedra para o as religiosas tinham de fornecer-lhe uma 'ração de freira' e era dada uma 'ração de feijão' aos oficiais da obra", sublinhou, ao apontar para a gastronomia. "Em 1884, através do Relatório da Exposição Industrial, verifica-se que o convento ainda estava a funcionar, participando no concurso com doce de calondro, laranja, pêra, marmelada e toucinho do céu", indica, numa alusão a herança patrimonial que vingou até aos nossos dias.
Texto publicado na edição de 7 de agosto de 2024 do jornal O Comércio de Guimarães.