Rui Pinto: "A cirurgia não faz milagres, mas é uma grande ajuda" no tratamento da obesidade

Está a duplicar o número de cirurgias para o tratamento da obesidade realizadas no Hospital da Senhora da Oliveira de Guimarães (HSOG).

No ano passado, foram realizadas cerca de 400 intervenções cirúrgicas para ajudar os pacientes a perder peso, o que representa o dobro relativamente ao período que antecedeu a criação do Centro de Responsabilidade Integrada de Obesidade.

Esta doença crónica afecta cada vez mais pessoas, resultando de uma vida cada vez mais sedentária e de uma alimentação cada vez menos saudável. "É uma preocupação", expressa Rui Pinto, director daquele Centro, ao contextualizar que a unidade hospitalar vimaranense oferece uma resposta à doença desde 2003. "Inicialmente integrada em cirurgia geral e desde janeiro de 2021 com a criação de um Centro de Responsabilidade Integrado", observa, fazendo questão de indicar que foram realizadas cerca de 400 cirurgias no ano passado, com recurso às cirurgias bariátricas de "sleeve gástrico e numa percentagem maior o bypass gástrico".

"A obesidade é uma doença multi-factorial e há um certo estigma de não a vermos dessa forma. Há um maior investimento da tutela para priorizar o tratamento da obesidade, porque tem várias doenças associadas. Como diz a Organização Mundial da Saúde é a segunda causa de morte passível de prevenção. Se estivermos a tratar a obesidade, estamos a melhorar a qualidade de vida da população e a contribuir para o aumento da esperança média de vida", salienta Rui Pinto, realçando que a doença não escolhe idades, nem género, para ser tratada por via da cirurgia, embora no Hospital da Senhora da Oliveira sejam acompanhados apenas adultos.

"Nós não comemos aquilo que precisamos, comemos aquilo que nos dá prazer e esse é um problema"

Ao Centro de Responsabilidade Integrada/Obesidade só chegam "os doentes que, ao nível dos cuidados primários, tenham já recebido uma abordagem com medidas relacionadas com a reformulação dos seus hábitos alimentares e de prática de actividades físicas". "Nós não comemos aquilo que precisamos, comemos aquilo que nos dá prazer e esse é um problema, porque a obesidade está muito associada a um hábito e quase um vício da alimentação pelo prazer que nos proporciona, o que contribui para uma enorme dificuldade em inverter esse processo", elucida, ao referir que o tratamento envolve várias especialidades como a nutrição, a psicologia, a medicina interna, a endocrinologia, a psiquiatria, a cirurgia, a própria anestesiologia, que são convocadas para acompanhar e orientar o doente "para sempre". "O tratamento da obesidade não é apenas num momento. Ele é uma mudança nos estilos de vida que passa por um aperfeiçoamento e melhoramento dos hábitos alimentares e das rotinas de exercício físico, o que para muitos doentes se torna difícil", afirma.

"A cirurgia não faz milagres. A cirurgia é uma grande ajuda".

À questão: quando é que o peso indicado na balança deve fazer soar o alarme em relação à doença? O cirurgião responde: "só devem chegar ao nosso Centro aqueles doentes que já experimentaram tudo e em que a cirurgia surge quase como a última oportunidade, porque atravessaram todo um processo e não conseguiram. As medidas conservadoras são sempre a melhor solução para o doente inverter o processo. O Índice de Massa Corporal (IMC) quantifica o grau de obesidade que temos e entre 19- 25 é normal. A partir daí, surge o excesso de peso. Todo o doente com IMC=40 tem indicação cirúrgica se não conseguir inverter o peso de outra forma", esclarece, alertando que estas orientações estão em fase de revisão no nosso País, podendo a referenciação cirúrgica surgir a partir do IMC maior de 35.

Quanto à motivação dos pacientes que são acompanhados no HSOG, Rui Pinto salienta que "há doentes muitos motivados e outros que têm algum receio quando são confrontados com a possibilidade de serem submetidos à cirurgia". "A cirurgia não faz milagres. A cirurgia é uma grande ajuda para que o doente, por si, possa fazer a mudança necessária para manter os patamares e os objectivos que pretende. Este ponto é muito focado no início das nossas abordagens porque temos também de transmitir que o processo é longo e para a vida. O doente num determinado momento tem de decidir mudar hábitos, rotinas, acreditar nessa mudança, estar focado e determinado porque só dessa forma vai conseguir ter o problema da sua obesidade resolvido de forma sustentada porque a cirurgia por si só, se o doente não fizer este parte que é a mais importante, pode depois não ter o sucesso esperado", assinala o responsável.

"Se o doente não mudar hábitos, mais tarde poderá voltar a ter excesso de peso"

Será que comemos mais do que devemos? O médico Rui Pinto é peremptório a dizer, com um sorriso à mistura, "sem dúvida". Por isso, destaca a importância da intervenção das especialidades de psicologia e psiquiatria no acompanhamento dos doentes para controlar os mecanismos associados a esse prazer. O recurso à cirurgia envolve sempre alguma complexidade. Se tudo correr com normalidade, o doente poderá enfrentar um internamento de três dias. A recuperação no primeiro mês é "sempre um pouco difícil, mas depois a vida segue um ritmo normal, ditado pelas novas regras e outra disciplina alimentar". "Após a cirurgia, os doentes são acompanhados durante pelo menos três anos. Depois, prevê-se que sejam encaminhados para os cuidados de saúde primários para manter as alterações que são necessárias. Mais importante do que mudar é passar a gostar das novas mudanças porque se fizermos aquilo que gostamos é sempre mais fácil atingir os resultados esperados", assevera.

O espelho e a balança acabam por ser cúmplices nas mudanças resultantes da cirurgia destinada a tratar a obesidade. "A motivação é sempre importante para manter os novos hábitos de forma sustentável", indica, ao reconhecer que nem todos os pacientes conseguem atingir os objetivos.
"Os doentes se não conseguirem cumprir os planos estipulados têm uma tendência para retomar o peso que perderam, por isso, o acompanhamento tem de ser constante. Se o doente não mudar hábitos, mais tarde poderá voltar a ter excesso de peso", avisa, realçando que a obesidade está associada a uma série de outras doenças como a diabetes, hipertensão, doenças respiratórias e do coração, a depressão, porque há uma acumulação de gordura que interfere com o funcionamento de todo o organismo.

Para assinalar o Dia Mundial da Obesidade (4 de Março), o Hospital da Senhora da Oliveira promove este sábado a iniciativa "vamos falar de obesidade", com abordagens relacionadas com "a Consulta de Enfermagem", "Contribuições da Psicologia na cirurgia bariátrica", pelo psicólogo José Luís Gouveia, "Cirurgia Bariátrica: para quem, quando e que implicações?", pelo cirurgião Rui Pinto, terminando com um debate em torno do tema "Os doentes e as suas expectativas", moderado por Carlos Alpoim e Fátima Fonseca.

Marcações: Hospital Senhora da Oliveira, Dia Mundial da Obesidade

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