200 mulheres tratadas em 2023 com cancro da mama no Hospital de Guimarães

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Outubro é o mês em que a cor rosa surge associada à mobilização da sociedade para a prevenção e rastreio do cancro da mama. No Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, o médico-cirurgião João Lima Reis tem sido responsável pelo tratamento das doenças mamárias de muitas mulheres e de alguns homens, num relacionamento que gera laços fortes.

Como surgiu o interesse por esta área da medicina e a “especialização” na cirurgia e saúde da mama?
João Lima Reis (JLR) - Surgiu muito cedo, no início da minha formação como cirurgião. Estive grande parte do meu internato integrado no grupo da Senologia (área médica focada no tratamento da patologia mamária). Desta forma, pude acompanhar as importantes mudanças na abordagem cirúrgica – inicialmente, é importante lembrar, a maioria das doentes eram submetidas a mastectomia, mas a agressividade das cirurgias foi diminuindo progressivamente.
No ano de 2014, fiquei responsável pelo Grupo de Senologia, e passei a dedicar a maioria do meu tempo de trabalho ao cancro da mama. Aprofundei, através da frequência de cursos nacionais e internacionais, os meus conhecimentos e a abordagem cirúrgica através de técnicas inovadoras. No ano seguinte, fui nomeado coordenador da Unidade de Mama do Hospital de Guimarães, juntamente com a Dra. Camila Coutinho.
Sinto-me privilegiado por ter acompanhado toda essa evolução, por me ser possível, no dia-a-dia, aplicar os novos conhecimentos e as técnicas mais recentes, e ainda por ter sido e ser o cirurgião responsável pelo tratamento das doenças mamárias de tantas mulheres e de alguns homens. A vigilância duradoura após o tratamento inicial, numa grande maioria das doentes, faz com que a ligação entre ambos se fortaleça.
O conhecimento da gratidão das doentes e do respeito conquistado são um estímulo constante.

Faz parte da equipa que tem a missão de comunicar ao doente o diagnóstico de cancro da mama? Há alguma preparação prévia da equipa para a transmissão da informação? Como é feita a gestão desse momento?
JLR - É conhecida a relevância da relação médico-doente, que nesta patologia em particular assume um papel fundamental. São criados laços de confiança muito fortes entre a(o) doente e o cirurgião. O motivo da primeira consulta, na maioria das doentes, é um nódulo palpável ou uma alteração num exame mamário de rastreio. Consoante o grau de suspeição, explicamos a necessidade da realização de uma biópsia e as possibilidades diagnósticas e terapêuticas. A notícia como um todo só é transmitida após obtenção de toda a informação. A experiência, o trabalho focado numa área específica e a atualização constante dos conhecimentos permitem ter a sabedoria necessária para a abordagem destas situações, sendo certo que cada doente tem as suas particularidades e que é necessária uma adaptação.

O diagnóstico cada vez mais precoce dos tumores e o seu tratamento tem contribuído para alterar a ideia de fatalidade irreversível tantas vezes associada ao cancro da mama?
JLR - Graças aos avanços constantes no tratamento do cancro da mama, o seguimento termina, em grande parte das doentes livres de doença, cinco anos após o tratamento inicial. É muito gratificante não só para as pacientes, mas também para os profissionais de saúde. O diagnóstico precoce continua a ser um factor relevante para o sucesso. Quando este é possível a probabilidade de cura é muito elevada.

Os tumores diagnosticados não são todos iguais? O mesmo acontece com a abordagem cirúrgica para a sua remoção? Os casos acompanhados pela equipa do Hospital Senhora da Oliveira tem alguma caraterística distintiva relativamente ao que acontece no resto do País?
JLR - Os tumores tratados no Hospital de Guimarães não têm características distintas dos tratados nos restantes centros de referência, principalmente desde 2015, ano em que a Unidade foi incluída no programa de rastreio do cancro da mama da Liga Portuguesa contra o Cancro. Quando o cancro da mama é diagnosticado, é catalogado num determinado grupo, consoante as suas características, havendo tratamentos oncológicos e cirúrgicos dirigidos a cada tipo.

Há técnicas inovadoras que permitem melhorar os resultados de uma cirurgia, do ponto de vista clínico e até estético?

JLR - No início da história do tratamento do cancro da mama, eram apenas realizadas mastectomias. Só quase um século depois tiveram início as cirurgias conservadoras.
Apesar destas representarem uma melhoria na satisfação e auto-estima das doentes, cedo se percebeu que muitas doentes sofriam consequências estéticas pouco satisfatórias, apesar da preservação de parte da mama, dadas as deformidades resultantes. Já neste século, iniciaram-se as técnicas oncoplásticas que permitiram que o tratamento oncológico e o estético se tornassem indissociáveis. Desde a formação da Unidade de Mama, e como critério necessário para a sua concretização, é feita formação pelos cirurgiões da Unidade em técnicas cirúrgicas inovadoras.

Contacta diariamente com pessoas que enfrentaram a doença, que lutam e acreditam na cura; que condições são necessárias para sintam uma espécie de “alma renovada” para conseguirem continuar a atingir os seus objectivos pessoais, profissionais, familiares?
JLR - Mais uma vez, a relação médico-doente representa um ponto essencial. É também neste sentido que o médico deve entender que a doente pretende que a acompanhe no seu trajecto, quem tem acesso às informações clínicas que a doente autoriza e conseguir envolver todos numa estratégia comum e sempre no benefício da doente em causa.

Tem pacientes reincidentes no diagnóstico do cancro da mama? Pode indicar qual a proporcionalidade?
JLR - A taxa de recidiva da nossa Unidade está dentro do exigido pelas orientações nacionais e internacionais.

A reconstrução mamária é uma intervenção, a seu ver, prioritária no processo de tratamento e acompanhamento dos pacientes?
JLR - Representa um passo fundamental da reconquista da auto-estima da doente mastectomizada. O acesso a essas técnicas, mesmo que deferido, deveria ser mais rápido, sabendo-se, no entanto, que nem todas as doentes são candidatas a reconstrução imediata.

O cancro da mama não escolhe idades, nem género? Que idade tinham as/os pacientes mais jovem e a mais velha que acompanhou?
JLR - A mais nova com um pouco mais de vinte anos e a mais velha acima de 90 anos. Há apenas um diagnóstico de cancro da mama no homem, por cada 100 mulheres diagnosticadas.

Que comportamentos diários podem fazer a diferença na prevenção e diagnóstico precoce do cancro da mama?
JLR - Aquisição de um estilo de vida saudável, no que respeita a uma dieta equilibrada e ao exercício físico, mas também à abstinência tabágica e ao consumo limitado de álcool.

*Texto publicado na edição de 30 de Outubro do jornal O Comércio de Guimarães.


Marcações: Hospital da Senhora da Oliveira, Outubro rosa

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