Vamos aos factos

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Como vem sendo frequentemente abordado, nos dias que correm e relativamente a grande parte da mundividência, a percepção sobre ela tende

a sobrepor-se à objectividade do efectivamente ocorrente. Ora, como nunca antes, o conhecimento e os avanços tecnológicos na sua crescente implementação na sociedade (os meios instalados), possibilitam a obtenção dos dados (causas) que podem ajudar a acertar na elucidação de efeitos concretizados (fenómenos). Bem como, posteriormente e quando indesejados, à concepção da melhor forma de reacção para, ou de lidar, com eles. E sobremodo impedir visões distorcidas do que realmente não é bem assim. Diminuindo, por conseguinte, o risco da elaboração de eventuais posteriores intervenções que podem não ser as devidas, ou, simplesmente, as mais oportunas. Impõe-se, portanto, a recolha desses dados, o seu estudo e a dedução das medidas que se queiram aplicar para atingir propósitos pretendidos sobre o fenómeno, ou até, porventura, antecipando-as à sua efectivação.

Enunciada, pois, esta necessidade, voltemo-nos então para outra matéria: a do direito à habitação. Estatuído este como direito e dever social na nossa Constituição, nela se estipula que “todos têm o direito, para si ou para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. E como deveres de incumbência do Estado, entre outros, o de “promover, em colaboração com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais”, bem como adoptar “uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria” e, ainda, o de “estimular a construção privada”, nomeadamente “fomentando a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução”. Como se pode depreender do transcrito e para um compromisso essencial como este é, muito nela se detalhou sobre esse importante direito e, inclusivamente, sobre formas da sua concretização.

Entretanto deve-se destacar, até pela actualidade desta observação, que o texto constitucional e a propósito da construção, a situa sempre, sempre, em solos urbanos e para ela ser integrada, de forma apropriada, na respectiva rede de transportes e equipamentos sociais (em 76 a ecologia ainda não se impunha tão veementemente e a destruição dos solos rústicos não era então uma prioridade primária, a só anormalmente - no contexto actual talvez preferível excepcionalmente - ser admissível). Coordenadas estas que, tanto quanto se assiste e aos diversos níveis da administração pública, centrais ou locais, têm andado um bocado arreigadas das suas práticas. E no entanto ...

No entanto e como se apontou, a percepção da falta de habilitação (fogos para, porque é disso que se trata), embora sentida e de certa maneira verificável, está na ordem do dia. E essa premência justifica respostas imediatas, centrais ou locais (não obstante, nestas últimas, as realidades serem muito distintas, por a carência poder ocorrer aqui e ali não). E o discurso político dessa urgência obriga, e pode ter obrigado, à implementação imediata de medidas que, pode acontecer, não estão devidamente avaliadas e assim conduzirem a um resultado que não será socialmente o mais recomendável. É certo que, malgrado o discurso oponente da desnecessidade do completo conhecimento das causas, de isso ser um meio dilatório e de despesa inútil, ou mesmo de uma imaginada manobra de criação de jobs for the boys, a situação presente das ciências, as especialidades (mormente a algoritmia e a IA), obrigam-no, pois possibilitam o saber da multiplicidade quase total de causas e facultam o desenho duma realidade quase certa; quer seja quotidiana, quer seja futura. Do que logo se segue a imprescindibilidade inultrapassável de o fenómeno, falta de fogos para a habitação, dever ser municiado com todos os dados que o elucidem, afim de as soluções que se lhe queiram aplicar poderem corresponder à sua cabal, eficiente e mais rápida resolução.

Importa ainda lembrar que qualquer edificação, pela sua natureza, consiste numa afectação financeira imobilizada, capacitada, no entanto e como outras, para responder a exigências sociais directas. E por esta última circunstância depende de orientações, e decisões, políticas que possibilitem a sua concretização dentro daqueles parâmetros constitucionais; definindo-lhes igualmente a prioridade e a oportunidade. O tudo e mais uma vez, a aconselhar a mais completa fundamentação dessas decisões.

Por outro lado e regressando à lei fundamental, constatase que o sujeito do direito tanto pode ser uma pessoa como um agregado, familiar, ou até não (?). E o seu conteúdo baliza-se entre dimensão, higiene, conforto, intimidade e privacidade; conceitos com uma amplitude susceptível de diversas interpretações. Mas a realidade é que o direito está consignado e dentro desses limites existe. E por isso, para o seu exercício e na incumbência cometida, há muitos dados que devem ser previamente recolhidos, sobremaneira a nível local (pelas ditas disparidades que aí se podem encontrar). Dentre estes, uns são quantitativos e outros carecem de auscultação, por se reportarem a condições variáveis e dependentes de particularidades atendíveis dos usuários; bem como, ainda, dos para projecção de qualquer dos dois anteriores a médio e mais longo prazo.

Uma nota ainda: a de que os preços da construção podem restringir a procura, seja para aquisição ou para locação, tornando, portanto, visível uma fictícia carência de fogos que pode residir na insuficiência de rendimentos para lhes aceder O que nesses casos, imediatamente, nos remete para as incumbências específicas do Estado.
Aqui chegados, focalizemo-nos no âmbito local. E aí no nosso município.

Neste, desde logo, a verificação de que, na cidade e já infraestruturados ou em vias disso, há diversos terrenos para construção, quer junto ao Parque da Cidade, quer no Minhoto/Cães de Pedra ou futura urbanização a sul da estação ferroviária, quer ainda em muitos outros locais de menores áreas ou em lotes isolados. O que leva a crer que, de imediato e se se quiser investir, há onde o fazer. E também que a procura capacitada não é tão forte que incentive esses investimentos. Depois, que a população concelhia e segundo os censos, tem vindo a decair. Facto que aliado à migração, sobretudo dos jovens mais habilitados que estudaram fora, deve ter-se em atenção para definição da procura no porvir.

Com estes considerandos, no entanto e também, deviam ter-se em conta mais informações como, entre outras: a)- a de quantos fogos há no concelho; b)- quantos estão desocupados; c)- quantos obedecem às características habitacionais actualmente exigíveis; d)- quais as médias de residentes por fogo e os respectivos escalões etários: e)- quantos são os de habitação própria e quantos os locados (e destes quantos são os de propriedade privada - de renda livre ou regulada - e os estaduais): f)- quantos estão em construção ou licenciados para a iniciarem; g)- quais os terrenos aptos para construção e os que já estão devidamente infraestruturados; h)- quais as características da ocupação - familiar ou singular e nesta unipessoal ou plural-; i)- quais as várias formas, tipos e composições que existem, quantificando-os; j)- quais destas e destes correspondem aos anseios das pessoas e eventuais novas configurações que melhor as sirvam; e l)- a projecção da evolução das necessidades futuras, bem como das disponibilidades financeiras, calendarizando-as. Informações que, com as necessárias adaptações a que as suas particularidades obrigam, deveria, também, aplicar-se aos parques e construções para fins económicos.

Num tudo que, devida e atempadamente publicitado, e discutido, contribuiria para uma mais aprofundada elucidação do cidadão, qualificando-o para, nesta matéria e na hora de eleger, a sua delegação fosse a mais compatível com uma das várias propostas que sobre ela lhe fossem submetidas. Cumprindo-se, assim, a lógica da democracia representativa. E deslocando-a, como normalmente acontece, da carta branca que é oferecida aos representantes. Sim, que estes e uma vez eleitos, têm ficado livres para decidirem sobre tudo e mais alguma coisa a seu belo prazer. O que, evidentemente, contraria e ofende a legitimidade representativa e, por demais, a democracia.

Fundevila,
15 de Março de 2025


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