A crise que Montenegro quis

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À hora que escrevo este artigo ainda não foi discutida a Moção de Confiança do XXIV Governo Constitucional, e, por isso, parte do que se segue é um

exercício de futurologia.

Portugal está mergulhado em nova crise política, tão intensa quanto desnecessária. O resultado das eleições legislativas de 2024, que culminaram há um ano com a constituição do atual Governo, ditou um cenário instável que implicava especial cuidado na gestão política por parte da maioria relativa de PSD e CDS.

Para uma leitura da situação política atual, após um ano de Governo, devemos ter em conta:

1. A postura de sobranceria e controlo sobre a comunicação social com que esta coligação PSD/CDS se propôs governar, ora atacando-a, ora fugindo ao esclarecimento e escrutínio públicos, e de medição de forças com a oposição, como se aparentemente interessada em provocar eleições na primeira oportunidade.

2. A postura do Partido Socialista, que se constitui como oposição responsável, que, não deixando de fazer o escrutínio e a oposição necessários, colocou o interesse nacional sempre à frente do interesse partidário. Foi assim na eleição do Presidente da Assembleia da
República, na inviabilização das moções de rejeição ao Governo e na viabilização do Orçamento de Estado.

3. O facto do terceiro partido mais votado, o Chega, ter reforçado a sua votação nesta legislatura à custa da rejeição dos partidos tradicionais e da capitalização dos “casos” que motivaram a crise política que fez cair o anterior Governo. Durante este ano, acumulou casos e mais casos, e demonstrou que não só não é exemplo, como representa o pior que já
se viu pela política nacional.

Feita esta introdução, percebe-se bem aquilo que estamos a viver. O PSD e o CDS lançam o país para uma crise política e eleições antecipadas à custa da exponenciação dos motivos elencados no enquadramento da atual situação. Por um lado, constata-se a sua vontade de forçar eleições antecipadas, acreditando que através da vitimização e da dramatização do contexto político nacional, conseguirá ter um resultado superior ao de há um ano. Esta ideia de encenação ganhou força depois de tornadas públicas as anotações do Ministro Leitão Amaro. Por outro, assiste-se a uma vontade de medir forças com a oposição, mesmo sem uma maioria parlamentar que possa justificar essa soberba. O PSD e o CDS chantagearam os partidos da oposição, em especial o PS, contrapondo aos insistentes pedidos de esclarecimento uma Moção de Confiança, da qual sabiam o desfecho. Uma “demissão cobarde”, como bem caracterizou Pedro Nuno Santos.

Por fim, constata-se a falta de sentido democrático e da necessária prestação de contas aos partidos, à comunicação social e aos portugueses. Luís Montenegro preferiu eleições antecipadas à transparência. E ainda embrulhou esta opacidade em suposto striptease da sua vida profissional, contudo esquecendo-se de tantos factos, que ainda não pararam de surgir sobre o assunto, juntando-lhe teorias da cabala e da perseguição da comunicação social. O primeiro-ministro terminou o debate da moção de censura do PCP dizendo que só voltaria a responder a quem fosse tão transparente como ele próprio. Enrolou-se em tanta opacidade, que, de facto, agora não tem a quem responder.

Ao PS restou cumprir com a sua palavra. Ter sentido de Estado em todos os momentos, mas não dar a mão a uma Moção de Confiança que procura sanear o assunto, sem o explicar.

Agora é o tempo de devolver a palavra aos portugueses, centrando este debate durante as eleições legislativas que se seguem em dois aspetos centrais: a culpa social-democrata e centrista de nova crise política nacional absolutamente desnecessária, e a avaliação da ação governativa de quem tudo vinha resolver em meio ano, e que em doze meses nada resolveu.

Termino, citando Luís Montenegro, que, a 7 de novembro de 2023, na rede social X, e com palavras que nunca foram tão atuais, escreveu: “O Governo caiu e caiu por dentro. Não podemos perder mais tempo. É imperioso recuperar a credibilidade, a dignidade institucional e a confiança que se perderam e desbarataram. Essa recuperação só é viável com eleições antecipadas.
Estamos preparados.”

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