A reforma do sistema eleitoral

Depois de um longo período de paz e de forte desenvolvimento de quase sete décadas interrompidos aqui ou ali por conflitos

regionais amordaçados, como os de Espanha, Irlanda e territórios da antiga Jugoslávia, entre outros, vive agora a Europa uma crescente ameaça a essa tranquilidade.

Seja ela a ameaça à paz, com a guerra nas suas fronteiras na Ucrânia, ou aqui mesmo ao lado, em Israel, que trazem ao de cima uma brutalidade há décadas não vista e as fragilidades da Europa neste domínio, seja ela o descrédito das instituições democráticas que vão sendo incapazes de saber responder aos desafios a que a mesma Europa é submetida

Muitas serão, na verdade, as razões que terão vindo a contribuir para o estado preocupante que tem ditado esta evolução recente.

No respeitante à paz, terá sido ignorar a natureza humana que empurra a ambição dos povos para o domínio dos fracos pelos mais fortes, obrigando, para isso, ao fortalecimento das instituições nacionais e internacionais, nomeadamente as regulatórias e as de controle, assim como para a necessidade da existência de um adequado sistema de defesa como forma de assegurar a paz, tornando-se fundamental o investimento nesta área, acompanhando o esforço financeiro de alguns países pertencentes à NATO, coisa que não tem acontecido, por ter vindo a ser deixado esse encargo aos parceiros ricos, de modo especial aos Estados Unidos da América.

Depois, a ausência de uma constante atenção ao bom e eficaz funcionamento da justiça e da coesão social, fatores fundamentais na concretização da paz, já que, onde não há justiça não pode haver paz.

Será indispensável focalizar uma especial atenção à questão migratória que tão mal tem sido tratada pela generalidade dos países europeus, reconhecendo a necessidade de saber acolher com dignidade e respeito os emigrantes que nos procuram e que tanta falta fazem a uma europa envelhecida e com saldos naturais cada vez mais negativos.

Quanto ao descrédito das instituições democráticas, torna-se fundamental fazer sentir aos cidadãos que as suas preocupações e anseios são objecto de atenção constante por parte dos seus representantes, instando-os à participação activa nos processos eleitorais os quais legitimam as suas decisões governativas.

Na actualidade, e concretamente em Portugal, permanecem os debates em torno dos sistemas eleitorais e dos vários problemas que desafiam o progresso qualitativo da delegação da soberania através da representação: tipo de proporcionalidade, fórmula de conversão de votos em mandatos, desenho e dimensão dos círculos eleitorais e número de representantes a eleger.

Ainda na passada semana foi tornada pública mais uma proposta, agora do Prof. Paulo Trigo Pereira que vem reforçar os projectos já apresentados conjuntamente pela SEDES-Associação para o Desenvolvimento Económico e Social e pela APDQAssociação Por uma Democracia de Qualidade em Janeiro de 2018, as quais, não diferindo substancialmente das propostas do PS e do PSD propõem a criação de três círculos eleitorais: círculo de base, com um candidato uninominal, correspondendo a uma área administrativa estabelecida com que o eleitorado esteja familiarizado, Município/Freguesia; círculo intermédio, com listas plurinominais correspondendo ao(s) distrito(s) e círculo nacional de compensação. Tal proposta aproxima-se do sistema alemão designado por sistema de “representação proporcional personalizada”.

A este propósito, assistimos neste passado fim de semana à realização das eleições legislativas em França e Inglaterra, ambas baseadas em círculos uninominais: a de França, no “sistema de segunda votação” e a de Inglaterra no de “maioria simples”.

É curioso ver como a aplicação destes dois diferentes sistemas, distintos do português, de “representação proporcional”, conduziria a resultadoscompletamente diferentes. Assim, o partido extremista RN de Marine Le Penseria, claramente, o vencedor, caso o sistema francês fosse o de “maioria simples” praticado em Inglaterra, este mais facilitador de governos maioritários, mas claramente prejudicial à indispensável representatividade que a democracia deve assegurar.

Em Portugal, tal como referido, o debate sobre a reforma do sistema eleitoral está na ordem do dia. Seria bom que os nossos representantes políticos acolhessem o clamor cada vez mais sentido nas diferentes áreas sociais e a concluíssem na próxima sessão legislativa.

Guimarães,
8 de Julho de 2024

António Monteiro de Castro

Imprimir Email