Desejar o futuro

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O pensá-lo com o limite na utopia.


Numa altura em que correntemente se afirma que temos a geração mais capacitada de sempre, mas em que muitos nossos jovens se sentem motivados para emigrar e depois são

empregados nos países mais desenvolvidos para aonde se deslocam, o que se deve perguntar é o porquê de não encontrarem na terra natal o que vão procurar lá por fora. Assim, o saber das razões porque não se conseguem fixar cá e como dar a volta a essa situação, deviam preocupar-nos sobremaneira (e não quedarmo-nos pela só mais usual denúncia lamurienta dessa sangria).
Claro que o que se vai discorrer a seguir não se restringe a esses jovens, porque é comum e concerne a todos nós. Simplesmente, como foi o mote para este escrito, manter-nos-emos, primordialmente, aferrados a ele como se só deles fora.

Claro, também, que o problema é nacional. Mas, crê-se, existe e começa no espaço local, porque se nele se concretizasse a possibilidade de realização do projecto de vida da maioria dos jovens, a dimensão dessa emigração seria substancialmente reduzida. Isto porque, quem está bem, até por uma questão de inércia, não se inquieta a mudar-se (desde sempre a taxa de emigração nos jovens dos estratos sociais mais favorecidos - nobres de antanho, burgueses de antes e classe média alta de hoje- foi e é pequena). E mesmo aquele outro apelo atractivo dos centros urbanos mais populosos tenderia a ser, parcialmente, minimizado.
Acresce que esses jovens são parte da já alva desta “terrinha”. Porque são os que se seguem, os que batem à porta; se não é que já a intentaram abrir e deviam estar a entrar. A, portanto, exporem as suas visões para o nosso comum amanhã.
E que eles, os seus ascendentes e dos que lhe são mais novos,nascidos ou nascituros e respectivas posteriores proles, compreensivelmente, ambicionam, como aliás todos nós, por um continuado e sucessivamente progressivo devir de efectivo bem estar; de uma vida com melhores condições, mais qualidade e feliz.

Com este enquadramento, entremos, então, na apreciação do perguntado. Do que criamos dever passar a acontecer para se a ir estancando esse desperdício que, igualmente, tem altos custos económicos não reembolsáveis (por eles, capacitados cá, irem gerar o valor noutras economias).
Destaque-se ainda que embora a intenção possa ser a mesma, as soluções não o são, por o que devemos separar a abordagem nos dois espaços supra referidos: o nacional (em que incluímos o regional) e o local. E por causa dessa diferenciação só nos espraiaremos pelo último. Bem como, intencionalmente, desdenharemos todo o passado e mesmo o que na actualidade está em curso, conjecturando, portanto e apenas, sobre o desejável porvir.
Convém, porém e para encetar, relembrar a já tão desfocada noção de democracia; ou seja, a de que o poder reside no povo (conjunção de dois substantivos assaz palrados, mas somiticamente praticados). Pegando nela, sempre se adiantará que, na verdade, é ao povo que compete definir o seu futuro e, logo, não aos técnicos ou representantes sem mandato expresso e devidamente detalhado (como o impõe a mais liberal ética e o dever ser jurídico).
Depois e como se notou em artigo anterior, enfatizar que o saber humano do presente capacita-nos para o reconhecimento abrangente das causas dos fenómenos; mormente e no aqui que se aborda, dos sociais. Assim e com a radiografia de cada situação local, dos dados que ela fornece, sua sistematização, análise e completa percepção, pode fazer-se-lhe um diagnóstico. E a partir desse “big data”, na constante que é o prosseguimento em qualquer processo material, conseguir arquitectar a direcção e desenvolvimento que se lhe queira imprimir. Isto é, projectar-lhe a evolução.

Acresce que em Portugal, como por essa Europa fora e não só, a comunidade primária para essa projecção é o município (ou correspondentes em outros países). E por conseguinte, desde esse substrato humano-espacial, competirá intentar incentivar as causas que, posteriormente, lhe promoverão o realizável progresso previamente optado e programado. Claro que, como será intuitivo e porque ela, a local, está integrada em conjuntos mais amplos, essa opção e sua implementação não poderão confrontar os de outras comunidades mais abrangentes e que lhe sejam superiores (no nosso caso, regional e nacional), tendo de encaixar-se-lhes. Não que se lhes tenham que sujeitar cegamente, mas pelo entendimento de que o querido progresso só poderá acontecer na conciliação do todo. E em que, portanto, as orientações superiores democraticamente definidas (e não com atribuições e competências excessivamente centralizadas) condicionam o sucesso de o de todas as integrantes.
Caídos e chegados, portanto, ao município, é de esperar que ao longo destas últimas dezenas de anos, em termos administrativos, ele tenha adquirido condições para auscultar a vontade cidadã e promover, de acordo com ela, o posterior avanço dessa comunidade. De salientar um factor: o da vontade cidadã. Não só porque ela é o fulcro da democracia, mas, também, porque muito do êxito do que se seguirá depende da consonância dela com todas as etapas do planeamento e sua, depois, concretização. Nunca, por conseguinte, é por demais deixar de acentuar a valorização da participação cidadã, pois a permanente elucidação, aceitação e empenho implicado, serão decisivos para que a rota que venha a ser apontada se encaminhe para o melhor e mais célere resultado. E que dessa permanente interligação possam ir decorrendo constantes aperfeiçoamentos e que, sobretudo, o cidadão sinta o planeamento como coisa sua e o eleja de forma mais esclarecida. De outro modo, o que subsistirá são as imposições de um grupelho de iluminados autocratas, que, inclusivamente e as mais das vezes, se encandeiam com fugazes convencimentos de circunstância e os elogios dos apaniguados, perante uma desfasada cidadania que permanece distante e apática.

Por isso este é um ponto em que se tem que insistir muito: o da vontade cidadã. Como consegui-la? Crê-se que não é fácil. Por um lado, pela quase total ausência da prática da sua auscultação (que, no entanto, stricto sensu, corresponde ao mais elementar exercício democrático). Por outro, as inevitáveis diferenças pessoais ocasionadas por os mais díspares motivos (da impreparação e desinteresse ao sigilo burocrático) e potenciadas pelo individualismo reinante, promovem o subsequente afastamento dos assuntos da polis, da consciência política sobre ela. Construí-la, a esta, não será um trabalho simples (quase que trás à memória o mito de Sísifo), mas é, e será sempre, a tarefa imprescindível. Diremos mesmo sine qua non. Como, pois, avançar para ela? Crê-se com contactos permanentes, inquéritos, sessões de esclarecimento, publicações e informação detalhada, num conjunto agressivo de recuperação pelo interesse na polis e de que este é absolutamente essencial para a plena realização de qualquer projecto individual de vida. Das aspirações de cada um, do seu agregado, do seu núcleo, das associações que os complementam e, enfim, do colectivo. E ao inverso, da unicidade, no seu todo, para uma oferta permissiva da efectivação desses anseios. Motivando-se, assim, pelo envolvimento, participação e total conhecimento do que se
propõe conseguir, aquele entusiasmo de quem luta por algo que o ganhou e lhe apetece.

Destarte, tem de saber-se o que vão buscar lá fora e que gostariam de ter tido aqui. Mas não chega! É preciso recuar e perceber, desde trás, o destino que se foram imaginando e que foram vendo ser-lhes recusado. E entender que muita dessa recusa podia ter sido suprida localmente se, a seu tempo, se tivessem gerado condições que a afastassem. Se as perspectivas de vida, deles e de todos nós, tivessem sido colectiva e devidamente gizadas, como é a função do planeamento democrático.
Ora, os decisores e os técnicos acontecem, existem, de menos só a ainda auscultação duma vontade cidadã devidamente elucidada, trabalhada e depois, dentro de alternativas, prioridades e opções, formulada e executada. Talvez e como derradeira achega, na multidisciplinaridade assaz complexa que a condução da polis hoje exige, o acompanhamento de um órgão consultivo, integrado por sumidades nas distintas matérias, aberto a estrangeiras e
coadjuvando todo esse processo, por natureza, de permanência continuada.
Rematando, crê-se que chegou a altura de ir subindo a mirada do umbigo e interiorizar que cada projecto individual, seja ele qual seja e de quem seja, depende do entorno, da polis. Num mundo maioritariamente urbano (mais de 55% da sua população; cerca de 75% na UE), mesmo nas pequenas cidades difusas e periurbanas, numa altura de tantas crises que nos pendem sobre a cabeça e por isso mais do que nunca, deve competir aos cidadãos fabricarem a cidade que lhes permita atingir os seus objectivos, pessoais ou colectivos.

Fabrique-se, pois, a cidade humanizada e em crescente mixofilia, porque nela e por ela, germinam a liberdade, a igualdade e a solidariedade.

Fundevila, 28 de Fevereiro de 2024


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