S. Nicolau, com tecnologia e arte

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Beneficiei, no sábado passado, de uma curiosa experiência; a confluência de moderníssima tecnologia com a ancestralidade de uma secular tradição.


Tem isto a ver com o Santo que, na nossa terra, foi adotado como padroeiro dos estudantes e, mundialmente, ao menos no mundo de raiz judaico cristã, como o Pai Natal, o mais belo mito dos primeiros anos da vida das crianças. Porém, lembro sempre que nem de todas, pois jamais esqueço as que, por razões várias, desde a saúde, passando pela indigência e indo até aos horrores da guerra, milhares de crianças não têm tempo, nem condições, nem sequer a lembrança da existência do Pai Natal.

Foi o dito santo, Nicolau de seu nome, o inspirador dos seculares festejos em sua honra promovidos e participados, inicialmente apenas pelos estudantes do Liceu e estabelecimentos da sua categoria que o antecederam, e hoje por toda a cidade, desde as crianças dos infantários até aos adiantados de idade, sem limite, ainda com saúde e forças para, de uma ou outra maneira, fazerem parte dos festejos, principalmente integrando o cortejo do Pinheiro, com que eles abrem.

Quando frequentei o Liceu, as Nicolinas eram apenas dos respetivos estudantes, os de então ou os que o haviam sido algum dia, só os rapazes e homens, que a festa era, nessa época, puramente masculina.
O número que inspirou esta crónica, as Danças Nicolinas, não ocorria naqueles anos cinquenta do século passado, em que frequentei o Liceu. Ouvia falar das Danças, como sendo algo que tinha lugar no final das Maçãzinhas, nas quais os estudantes já iam vestidos com trajes que serviriam para um espetáculo tipo mini revista, com cantares e danças, que ocorria em algumas casas fidalgas ou burguesas, que correspondiam aos atuantes com comes e bebes colocados em mesa para o efeito preparada.
Com erupção ocasional em um ou outro ano, as Danças deixaram de integrar as Nicolinas desde meados dos anos quarenta até aos finais dos anos setenta do séc XX, e a partir daí foram crescendo de interesse e importância devendo, hoje em dia, ser-se ser “mais rápido que o Pepe” 1, para arranjar bilhete.
Não tendo eu o dom dessa rapidez, já me conformava em não assistir ao espetáculo, este ano com a aliciente de o meu neto ser um dos premiados pela Associação dos Antigos Estudantes, quando no telemóvel me cai um link (anglicismo que uso, ainda que a contragosto) dando-me parte de que, através dele, poderia assistir virtualmente às Danças.

Usei-o, e não só, pois tive habilidade bastante para, do meu telemóvel enviar as imagens para o televisor, tendo assistido à entrega de prémios e à representação, comodamente instalado, para mais beberricando um fundo de copo de universalmente apreciado álcool escocês. Uma espécie de camarote gourmet (este galicismo não me incomoda, até porque, algures li ser eu e os meus familiares paternos, atuais e ancestrais, descendentes de cavaleiro que acompanhou o Conde D. Henrique na sua viagem até à Galiza, reino do império de Afonso VI de Leão).
Foi assim que convergiram a moderníssima tecnologia e o disfrute da antiquíssima representação.
Por esse motivo, pude ver com todo o pormenor não só a prestação dos atores, como os vários cenários, dos quais o principal me causou uma intensa admiração e curiosidade.
Foi esse cenário o desenho de um painel políptico, ali denominado “S. Vicente de Dentro”, que recebeu tal nome porque, disse-o o ator principal, «tem o S. Vicente dentro».
O cenário teve por inspiração os Painéis de S. Vicente de Fora, atribuídos a Nuno Gonçalves, estando as figuras representadas sensivelmente no local e com a postura idêntica à das personagens do políptico de Nuno Gonçalves, mas sendo as caras as dos atores intervenientes nas Danças.
Sendo magnífica a execução do cenário, tanto no que respeita ao seu conjunto como no que toca ao retrato de cada uma das personagens, bem identificáveis com os atores nicolinos, procurei saber quem foi o seu autor, e consegui conhecê-lo pessoalmente.

Luís Canário Rocha, vimaranense, revelou-se-me uma pessoa simples, simpática e ativista de assuntos da arte: é animador da “Astronauta Associação Cultural”, vocacionada sobretudo para as artes da música e do teatro, apesar de a sua formação pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto o ter levado a dedicar-se às artes plásticas.
O Luís – único que nomeio, entre vários outros e várias outras que conheço ou que sei existirem, mas não refiro para não cometer alguma injusta omissão – faz parte de uma plêiade de vimaranenses, de raiz ou por adoção, que contribuem, tantas vezes de forma discreta, mas sempre eficaz apesar da míngua de recursos ao seu dispor, para a riqueza cultural da nossa terra. Fazem-no tanto individualmente como através de associações, que, como acontece com a “Astronauta”, mais ou menos informalmente criam e cuja atividade difundem, atraindo mais pessoas, sobretudo jovens, para o conhecimento e criação artística, não esquecendo o património cultural vimaranense que, do seu modo simples, mas atrativo, dão a conhecer.

Merecem, pois, aplauso, divulgação e apoio, nomeadamente pelas entidades oficiais na maior medida das suas possibilidades, o Luís, a sua “Astronauta Associação Cultural” e os muitos mais artistas, assim como associações congéneres à referida, que recheiam Guimarães de arte e cultura, na música, nas artes plásticas, no teatro, na performance, na olaria, na dança, em todas elas tendo nós, vimaranenses, exemplos de já amplo conhecimento além fronteiras, tanto municipais como nacionais, e fortes promessas de ainda mais, muito mais, enriquecerem o nosso acervo.

Guimarães, 07 de novembro de 2023
António Mota-Prego
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