Zodíaco

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Sou um orgulhoso Balança, com ascendente em Gémeos. Um livrinho que comprei quando fui para a faculdade - e que me permitiu ter conversas muito profícuas

com elementos do sexo feminino – diz que terei uma extraordinária habilidade manual, acrescenta e refere a minha tendência para a dispersão, diz que sou inteligente e espirituoso e, ainda, um comunicador agradável e vivo. Sobre as três últimas vou acreditar que sim, apesar de uma delas não ser propriamente favorável. Quanto à primeira é claramente falsa, a única que tenho a certeza de o ser. Mesmo assim compro as três pelo preço de quatro.

Na realidade, a conversa sobre signos está completamente fora de moda. Não sei o que aconteceu desde a minha juventude, mas já ninguém se assume como um pragmático Touro, como um particular e difícil Escorpião, como um generoso Aquário, ou um Peixes sonhador. Ninguém. O assunto saiu das conversas e perdeu-se, assim, um dos mais perfeitos desbloqueadores de conversa que já tivemos à nossa disposição. E é pena que se perca esse desbloqueador. Os atuais: ou não existem e ninguém desbloqueia, ou não chegam aos calcanhares do zodíaco. Há sempre o tempo meteorológico, mas esse é um tema claramente muito menos profundo que o dos signos. É mais básico e, assim, menos dado a magnéticas conversas.
Até a maior parte dos jornais já não têm o horóscopo. Que tragédia!
A gente saía de casa a saber que, em pleno janeiro, teríamos que ter cuidado com as constipações, ou, na permanente conjuntura de crise, teríamos que ter muito atenção às finanças. Conselhos fantásticos e universais que nos permitiam encarar o novo dia com resoluções sensatas, tirando aquelas que nos agulhavam a dizer que o Sol em Sagitário favorece novos envolvimentos românticos. Mas ainda assim.

Até o grande Fernando Pessoa, Gémeos com ascendente em Escorpião, se deixou seduzir pela Astrologia. Fez cartas astrológicas dos grandes génios da humanidade e, até, a de D.Sebastião. Richard Zenith, na monumental e recente biografia do talentoso poeta, explorou esse aspeto. Isso sim, isso seria o zénite da nossa fé nos astros. Em vez da Maya... termos o Pessoa a analisar-nos.

Apesar da minha “carta” dizer que eu sou hábil de mãos - a não ser que se refira à minha destreza de talheres ao almoço - sempre achei, e ainda acho, que a Astrologia é muito bem achada. Na altura em que lia sobre signos, na tentativa de ser “um comunicador vivo e agradável”, encontrava, sem dificuldades, características comuns a pessoas de um determinado signo. Gostava do bom-humor e descontração dos Sagitários, da clareza dos Leões, do apurado sentido autocrítico dos Virgens, da solidez dos Capricórnios, e conseguia, frequentemente, adivinhar o signo do interlocutor se já há algum tempo o conhecesse. Era divertido e fazia sentido. Já o Einstein havia teorizado sobre as ondas gravitacionais, sem sequer as definir matematicamente. A posição dos planetas, dos seus satélites, altera tudo. E se tem influência em marés e órbitas, por que não o terá nos espíritos de quem nasce?
E, na verdade, encaixei na perfeição, como prevê a astrologia, na primeira namorada Carneiro que tive (e ainda tenho). A coragem e o instinto do Carneiro completam-me e domesticam a minha tendência para a dispersão. Consigo ir sempre mais longe ao lado de um Carneiro, ou, pelo menos, saber onde estou.

O falecimento dos signos, o desaparecimento da sua discussão redonda, é mais grave que o déficit das contas públicas ou, arriscaria até, é mais preocupante que o aquecimento global.
A discussão sobre os signos era, no fundo, já não é, uma discussão sobre nós próprios e, ao mesmo tempo, sobre os outros. Sobre o caráter e não sobre as nalgas. Sobre a maneira como nos encaixamos na vida e não sobre a forma como metemos likes e um algoritmo nos faz a folha em função disso. O horóscopo era um saudável aviso e não esta indignação constante que chateia.
Em vez de sermos bombardeados pelos comentadores com o “cada macaco no seu galho” poderíamos, com tranquilidade reflexiva, perceber que o caranguejo António Costa não liga muito bem com o sagitário Marcelo. Os problemas institucionais não têm a gravidade que se lhes atribui, pois tudo resulta apenas da incompatibilidade entre signos de Água e de Fogo. Leio numa página da especialidade: “para que essa combinação possa funcionar, é de grande importância que o Sagitário aprenda a desenvolver a diplomacia, e o Caranguejo deixe de ser um pouco sensível às críticas que pode receber de seu parceiro, aprendendo a toma-las como comentários construtivos”. É isto o que, no fundo, se passa na política nacional. Há que, rapidamente, substituir politólogos por astrólogos. Seria, pelo menos, mais divertido.

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