DO MERCADO

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Estrutura económica básica e cujo mais elementar surgimento em agregados humanos, há muitos milénios, a arqueologia vem comprovando através

do achado de objectos não originários dos sítios em que se os encontram; e por vezes identificados como de outros grupos e culturas. A, assim e duplamente, presumirem a ocorrência de trocas. E também, numa simultaneidade não descurável, uma já incipiente especialização do trabalho (que não ainda a sua divisão).

Focando-nos neste fenómeno, o das trocas, a verdade é que muitos factores, devidos essencialmente a circunstâncias naturais e desde esses longes, foram implementando capacidades produtivas próprias, quer, pode-se o pensar, dentro do agregado, quer e consequentemente, entre alguns destes. Incrementando, com o decorrer do tempo, aquilo que é a essência do mercado: a troca. E para que esta se verifique deve ocorrer oferta e procura. Factores básicos da dinâmica do mercado e cuja conciliação dita o seu funcionamento; mesmo ainda e de certa maneira nos dias de hoje (ressalva imposta porque o mercado neoliberal não coincide com o puro).
Porém, o que importa reter aqui é a noção de oferta e de procura; e que a oferta só subsiste conquanto tal enquanto houver procura, ou e ainda mais explicitamente, enquanto a procura tendencialmente a absorver. E também convém reter, igualmente, o sentido de globalidade de ambos; de conjuntos em relação a singularidades.
Entretanto, deixemos este introito vagamente económico e acerquemo-nos a outros horizontes: aos do urbanismo, ou mais propriamente, ao seu desenvolvimento.

Para tal, como usualmente se tem feito para sinalizar a permanente evolução, façamos uma mais que sucinta viagem no tempo e, do mesmo modo, pelo espaço. Assim, recorda-se aos que calcorrearam África, as sanzalas (pequenas acumulações de cubatas cercadas por paliçada). Isto porque o termo latino burgus (fonte do medievo burgo), pode significar um povoado fortificado. E povoados fortificados vamos encontrá-los, desde a pré-história, nas nossas remotíssimas origens mesopotâmicas. Aliás e posteriormente, quem não se lembra dos episódios bíblicos da queda das muralhas de Jericó, ou da destruição das de Jerusalém? Duas situações já tardias que atestam que o ser humano ao abandonar o extrativismo primário, ao sedentarizar-se, se congregou espacialmente em unidades de habitação conjuntas, aonde, com a concentração, se foi acentuando a especialização do trabalho; quer por força do género, quer por capacitações individuais e, ou, organizativas. Num tudo tendente ao, e propiciando o, aumento da produtividade; por esse então ainda muito incipiente. E muitos séculos depois, já na Europa, vamos encontrar uma mescla agrícola com forte presença do burgo, como se pode inferir das iluminuras do célebre livro de horas Les très riches heures du duc de Berry. Depois, depois foi a revolução industrial e a sua sequência progressiva que, rapidamente, nos trouxe até ao presente, à crescente urbanização, às grandes cidades, às áreas metropolitanas e às megalópoles. E nisso estamos.

Retornando o fio à meada, ensaiemos uma deriva de aparente fácil demonstração. Qual é ela? A de se equacionarem os efeitos da especialização do trabalho na oferta e na procura, ou e melhor, de como ela e na sua progressão pode interferir na relação entre elas. Para tanto há que formular o axioma de que ao aumento da oferta especializada corresponde a uma diminuição percentual da procura dela. Por o que, portanto, quanto mais especializada for a oferta, mais esta reduz a procura. Assim, enquanto uma polifacética se dirige a uma procura alargada, a especializada só consegue, dentro do seu ramo, servir os que buscam esse seu nicho (a capacitação genérica abrange um conjunto, as divisões em que se desdobra só parcelas dele; o que ainda mais se acentua com a divisão do trabalho). Para melhor se aperceber esta afirmação viajemos ao mundo clínico: um médico generalista vê o doente e diagnostica, podendo enviá-lo a seguir para um especialista; e mesmo este, em determinadas situações, pode recomendar outro mais capacitado; e assim os que vão ao primeiro, depois, repartem-se por eventuais segundos e, casualmente, ainda por terceiros, verificando-se, pois, em cada uma dessas etapas posteriores um afunilamento da procura inicial. Mas fiquemos por aqui, por a especialização e a divisão do trabalho restringirem a procura.
Há ainda outro ponto a considerar neste nosso contexto: o do avanço científico e tecnológico, mormente nas economias desenvolvidas, o qual, aliado a um maior nível de conhecimentos, acentua a progressão das especializações, da instrumentalização, da automação e gera o predomínio do terciário a uma velocidade galopante; ao mesmo tempo que faz com que muitas técnicas fiquem rapidamente obsoletos e, logo, a exigiram mais especializações.

Ora bem, neste enquadramento, o desenvolvimento das sociedades modernas e acentuadamente nas contemporâneas, forçaram a forte concentração urbana, quer porque as isócronas definidoras de acessibilidade exequível ditam limites de densidade populacional, quer e principalmente, porque a explosão das especializações obriga a concentrações maiores, afim de as possibilitarem e viabilizarem. Ao mesmo tempo e não de menos consideração, que elas, as especializações, fomentam a criação de postos de trabalho e, digámos, pressupostamente melhor remunerados. Num amplo conjunto de circunstâncias que, e não só as atrás sucintamente apontadas, dinamizaram a corrida às cidades e a sua crescente atractividade.
Deixando esta ingrata matéria pelo necessário abstracto da abordagem, constata-se portanto a tendência do crescimento urbano (no presente, cerca de 60% da população mundial é urbana e a ONU prevê que essa percentagem suba para 70% em 2050) e de que ele coincide com o desejável progresso sustentável, ou como sói agora usar-se, inclusivo.
Aqui chegados, como estamos nós, os vimaranenses?

Cabeça administrativa da NUT III Ave (1.451 KM2 e 418.531 habitantes), Guimarães cidade tem 31.950 habitantes (52.182 segundo a CM e DL 328/72; o que gera a incongruência única, e aberrante, de ter no seu interior uma vila, o Pevidém) e o município 156.849. Por sua vez a NUT III Cávado (1.246 Km2 e 416.652 habitantes) tem como cabaça administrativa a cidade de Braga, com 144.562 habitantes e o município 193.349. Com estes dados do último censo e reportando-nos aos do de 1981, o que vemos é que, com uma paridade quase igual entre as cidades (mas em que o município de Guimarães tinha mais vinte e tal mil habitantes), Braga pulou e Guimarães estagnou. E porquê?
Numa imputação imediatista, porque Braga apostou na cidade e Guimarães na pulverização paroquial. É que a disparidade não provém de circunstâncias naturais, mas de um planeamento intencional, técnico-burocrata e regional (nas costas do cidadão, como é de hábito), assumido pelo poder central e não contrariado por cá, ou mesmo e até preconizado por um reputado assessor que por aí esteve. Mas a história á mais longa e começa na UM. Como deve lembrar-se, no seu início e em princípio, o Polo Universitário devia situar-se cerca das Taipas, mas fortes pressões políticas levaram-no para Braga. Perante a reacção de Guimarães e depois de um confronto a alto nível, foi decidido que as Humanidades ficariam em Braga e as Técnicas em Guimarães; coisa que a Comissão Instaladora, sem se poder opor, nunca aceitou. E de que a UM nunca desistiu. E foi levando a água ao seu moinho, como decorre da demissão do nosso primeiro representante nela. Posição que o substituto, no mínimo, negligenciou. E depois foi a execução do tal planeamento, restrições para Guimarães, todas as facilidades para Braga. E o resultado está à vista.

Ora, remetendo-nos para dito do mercado, pergunte-se aos nossos jovens, sobremaneira aos mais qualificados, se pretendem, ou podem, fixar-se em Guimarães?

Fundevila, 6 de Julho de 2023


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