Vícios Públicos
Um país que teve, na semana passada, a polémica do Rock in Rio Febras e o presidente da República a comentar, à saída do hospital, com impecável requinte,
as causas da sua macacoa, é mesmo um querido país. O humor acima de tudo. O humor para desarmar esta chatice galâmbica que ocupa diariamente os noticiários.
A linda freguesia de São Salvador de Briteiros, uma das mais bonitas do concelho, banhada pelos pequenos rios Torto e Febras, passou para o noticiário nacional por via de uma embirração de uma megaempresa, e ainda bem. O facto permitiu aos amigos que organizam o festival da freguesia tornarem-se conhecidos e terem a oportunidade de gozarem (soberbamente) com o pagode. Pena é que esta visibilidade não tenha sido há mais tempo, e, quiçá, possibilitasse, assim, terem-se salvado os inúmeros moinhos, centenários, que foram destruídos pelo tempo e pela cegueira das instituições públicas. Apesar do esforço do saudoso Eng. Inácio Vasconcelos e dos seus amigos que vivem around Rio Febras, muitos dos moinhos desapareceram da paisagem ou continuam, ainda hoje, a degradarem-se de forma inglória.
Noutra latitude de preocupação, o Presidente comentou, de forma impecável o seu piripaque. Quantos habitantes de qualquer país do mundo têm nas declarações do seu presidente motivos para sorrir? Poucos ou nenhuns, tirando nós. Ao que ele acrescentou, sempre com um ar pedagógico, que a coisa correu mal pois depois do seu almoço de iogurte energético acrescentou um moscatel, já quente. Era óbvio que só poderia correr mal, mas fica o aviso.
A sacralização dos poderosos é aborrecida, sejam eles empresas ou presidentes. E o sagrado vive sempre de uma noção forte, e bem definida, de pecado. Pertenço a uma geração cuja educação católica ainda dava um sentido pesado de pecado. No entanto, creio, ao contrário de gerações anteriores, a abertura ao mundo, nem que fosse apenas ao rock britânico, deu-nos, já adolescentes, uma tremenda vontade de pecar. E assim, diligentemente, o fizemos.
A ideia de pecado parece uma coisa antiga, passada, mas não o é. Acredito que os sete pecados mortais já não estão em vigor, já prescreveram com a realidade, ou alguém meteu uma providência cautelar para que – pelo menos - a Ganância, o Orgulho, ou a Ira, não sejam já considerados pecados mortais. Pelo contrário. É só viver no mundo atual e estar atento para ver que esses três pecados passaram, magicamente, a virtudes.
As sociedades por mais modernas que sejam, não escapam -nem querem- à noção de pecado. Chamam-lhe outra coisa, mas a tendência para a evangelização do medo continua intocável.
O novo pecado é fumar.
Evolui-se bastante – e ainda bem – nas proibições do fumo. Era absurdo estarmos a comer – o pecado da Gula – e o fumo penetrar nas carnes já diligentemente fumadas. Era absurdo viajarmos de autocarro e o pessoal ir esfumaçando alegremente no nosso sono. No entanto, a coisa está-se a tornar difícil para os fumadores. Sinto-me olhado, muitas vezes de lado, por jovens cheios de saúde como se estivesse a esquartejar um gato vivo em plena rua. Para desgraça dos meus pulmões associo o fumo à criatividade. Não há texto que comece a escrever, nem ideia que me teime em fugir, que eu não aprisione e domestique no mágico intervalo de uma baforada. Há qualquer coisa de sensitivo no queimar do tabaco a que não escapo. Não me vejo a fumar aquelas coisas elétricas. Não têm a elegância de um cigarro. A diferença entre fumadores como eu e os vaporizados é a mesma diferença, de estatuto, que existe entre o músico de orquestra e um tocador de ocarina. Estamos em dimensões diferentes do vício. Não ficamos apenas pela nicotina, necessitamos do ritual. Somos clássicos, somos património.
A Muralha, com o apoio da Oficina, vai promover a exposição sobre pontes de Guimarães, com fotografia do Miguel Oliveira. A exposição abrirá a 27 de Julho na Escola Francisco de Holanda, fazendo parte do programa das Gualterianas, e estender-se-á até meados de setembro. A visitar, sem dúvida. Nela poderemos ver muitas das pontes romanas, românicas, ou nem uma coisa nem outra, que pontuam a paisagem do concelho de Guimarães, de norte a sul, de este a oeste. Umas conhecidas, outras nem por isso. Umas belas, completamente fundidas na paisagem, outras estragadas pelo utilitarismo cego, umas simples, outras complexas, mas que, cada uma delas, nos contam uma história de tempo, de persistência e de ligação. O Regresso às Pontes de Guimarães mimetiza uma exposição de 2010 (Sobre Pontes), coordenada pelo nosso amigo Dr. Fernando Conceição, que nela pensou e a ela se dedicou. Recordaremos a ideia como homenagem ao seu centenário natalício. A defesa do património comum é um vício bom.