Do deserto à revitalização
Na quarta-feira passada recebi em minha casa um casal de amigos franceses, amigos de há várias décadas, tendo sido causa desse encontro motivo idêntico ao que vai juntando pessoas
que, com o passar dos anos, cada vez as junta mais raramente: um acontecimento infausto, como, no caso, a perda de uma queridíssima amiga comum, também ela francesa e de há mais de cinquenta anos.
Antes de seguirmos para a Costa da Caparica, onde a exéquias tiveram lugar, não deixei de levar os meus amigos a uma visita, o mais pormenorizada possível, à zona histórica da nossa cidade, onde o casal já tinha vindo há mais de vinte anos.
Instantaneamente notaram as diferenças ocorridas desde então, nomeadamente a recuperação e asseio gerais, a beleza e harmonia da antiquíssima arquitetura urbana, as esplanadas e sua muita frequência, a intensidade do movimento citadino, não se tendo poupado em louvores ao que lhes ia sendo dado ver.
Ao passarmos pela rua de Santo António, referiram-me, porém, parecer-lhes que ali não havia residentes, o que, como é evidente, tive de confirmar-lhes, tendo-me eles contraposto que em França, em cuja capital viveram até que, recentemente, se fixaram em La Rochelle, tem vindo a ser promovido o repovoamento dos centros históricos e de ruas que chegaram a estar desertos de habitantes.
Referiram que as Mairies têm fomentado, na maioria das tantas cidades históricas que em França existem, a prevalência da circulação pedonal e não motorizada, assim como o restauro e a recuperação do interior das construções antigas, com o conforto que não falta às de mais recente construção, conforto tão indispensável hoje como o são desde tempos longínquos a água corrente e a energia elétrica, assim cativando moradores para tais habitações.
Expliquei-lhes que também a Câmara Municipal de Guimarães, a nossa “Mairie”, está firmemente empenhada em propósito semelhante, mas nele tem visto oposição, ou pelo menos crítica e dúvida, por boa parte dos comerciantes da zona. Tal facto causou visível espanto aos meus amigos, eles testemunhas da assinalável revitalização do comércio das zonas urbanas em que ocorreu a pedonalização das vias e foi facilitada a recuperação e atualização das habitações.
Esclareça-se que, ambos reformados e o marido ex funcionário da companhia dos caminhos de ferro franceses (CNCF), o casal dedica boa parte do tempo de que dispõe para viajar de comboio por toda a França, já que ambos gostam de assim viajar e tal lhes é facultado a preços irrecusavelmente atraentes. Por isso a observação que me transmitiram visasse a generalidade das cidades históricas francesas e não algum pequeno punhado delas.
Não sendo eu comerciante, mas mero utente das vias da nossa cidade e assíduo consumidor do comércio citadino, é como mero cidadão que há muito tenho para mim que Guimarães, do ponto de vista do vimaranense urbano, tem muito a ganhar com a concretização do propósito camarário quanto à reformulação das vias e do trânsito do centro histórico, assim como da zona norte da Alameda de S. Dâmaso, do Lado Nascente do Toural e da rua de Santo António.
Pelos exemplos que tenho constatado, e pelo que me tem sido transmitido por amigos e conhecidos de outras paragens em que algo como o que aqui se projeta já foi concretizado, fica-me a convicção de que também o nosso comércio em geral beneficiará, e não pouco, daquele projeto do executivo municipal.
Eventualmente por desatenção minha, não tenho notado que esteja a ser tão determinada a decisão quanto à promoção de repovoamento habitacional, nomeadamente na rua da Santo António, a que me ligam laços de antiquíssimo afeto, cuja desertificação fui constatando, inclusivamente durante as procissões religiosas em que participei durante os vinte anos em que presidi à Assembleia Municipal local.
Com efeito, se de início quase todas as varandas tinham pessoas, normalmente algo idosas, a assistir ao ato, fui vendo-as envelhecer, primeiro, a diminuir em número, depois, e, finalmente, a desaparecer. Dizia, então, de mim para mim, algo como – No ano passado naquela varanda estavam quatro, este ano já só estão duas! E assim sucessivamente até que a reflexão era – Pena, já lá não está ninguém!...
Acredito, porém, que é mesmo só por desatenção que não atentei nos projetos, que acredito existirem, para que a rua de Santo António, assim como as que já se lhe assemelham ou correm o risco de se assemelharem, voltem a ficar repletas de moradores, que é como quem diz, de consumidores, o que terá não negligenciáveis vantagem para eles, para a cidade, e para o comércio tradicional.
Guimarães, 10 de abril de 2023
António Mota-Prego
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