A história do burro do inglês

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Todos teremos já ouvido contar a história do burro do inglês. A versão a mim contada falava de um inglês que fazia transportes de mercadorias recorrendo a um afável animal da classe dos

quadrúpedes, um burro.

Com o objetivo de melhorar o rendimento do seu negócio, entendeu por bem, o nosso inglês, começar a cortar a ração ao animal. Nos primeiros tempos sentiu, na verdade, uma imediata melhoria no desempenho dos seus negócios, que se foi apurando com a progressiva redução da ração ao animal até que, certo dia, o estafado e esfomeado burro acabou por morrer. Solicitado para novo serviço, comentou o “empresário” a seu cliente: “lamento, mas já não posso servi-lo porque logo agora que o meu burro estava a dar lucro, havia de morrer”.

Esta triste história, que a meus irmãos mais velhos ouvia com frequência contar, vem-me à memória quando assisto à situação de descalabro a que o nosso querido e triste país chegou.

A cada dia que passa somos confrontados com acontecimentos que mais caracterizam um Estado em decomposição. O descontentamento é geral e manifesta-se praticamente em todos os sectores da vida nacional, de modo especial, nos da função pública.

Depois da mais longa e severa crise das últimas quatro décadas, a de 2010/2013, na sequência da governação desastrosa de José Sócrates de 2005 a 2011, que nos trouxe a Troika, o país foi obrigado a grandes constrangimentos que afetaram as famílias, as empresas e o estado face à necessidade de diminuir o desequilíbrio das contas públicas e travar a escalada da dívida para assegurar melhores condições de financiamento.

Tais constrangimentos passaram pelo corte na despesa do Estado e no aumento dos impostos conduzindo a uma forte recessão.

Depois de concluído o programa de ajustamento, em Maio de 2014, e com a saída da Troika, começou o país a pôr fim às fortes medidas de austeridade que até aí tinha estado submetido, dando passos no sentido das reformas estruturais de modo a poder libertar meios para o relançamento do investimento público.

Em Novembro de 2015, depois de vencer mais uma vez as eleições legislativas, Passos Coelho viu o seu governo reprovado na Assembleia da República pela maioria parlamentar PS/PCP/BE a qual, em 26 de Novembro, constituiu governo conhecido por geringonça que desde logo deu início à reversão de várias medidas implementadas pelo governo PSD/CDS, como a redução do horário de trabalho da função pública das 40 para as 35 horas, a privatização da TAP, as parcerias Público privadas na saúde e no ensino, o congelamento das carreiras da função pública, etc..

Anunciava, então, António Costa, o fim da austeridade e assegurava o milagre do equilíbrio das contas públicas à custa da mais elevada carga fiscal de sempre e, sobretudo, através da técnica das cativações, congelando praticamente o investimento público orçamentado e não executado.

A marcha para o caos dos serviços públicos foi sendo feita pausada e silenciosamente, sem o povo tomar consciência do abismo que se aproximava. Começaram a ser vistas filas às portas das repartições públicas. A falta de investimento ao longo dos anos afectou a generalidade dos serviços públicos, seja pela falta de atualização dos equipamentos, seja pelos baixos vencimentos e falta de regularização das carreiras.

As greves sucederam-se com veemência: nos transportes, nas operadores do estado - CP e TAP - impedindo a deslocação de milhares de trabalhadores e estudantes; nos tribunais, com atrasos inadmissíveis, que para além de impedirem o funcionamento do estado de direito e o apoio à vida de cidadãos e empresas, ameaçam prescrições de processos gravíssimos como de Sócrates e Ricardo Salgado; no ensino, com os professores há meses em greve, pondo em causa a aprendizagem de dezenas ou centenas de milhar de crianças.

Entretanto, nos hospitais, a falta de médicos, provoca fecho de serviços de urgência e atrasos nas consultas e nas cirurgias; nas forças armadas, com vários equipamentos obsoletos ou com falta de manutenção, como o caso dos tanques Leopard2 ou o caso do navio Mondego que há dias teve de ser rebocado, põem em causa a sua eficácia; na habitação pública, onde a meta do governo de 5% para se aproximar da Europeia está apenas em 2%, constitui uma das maiores preocupações dos portugueses, nomeadamente dos casais jovens.

Os factos, infelizmente, vão confirmando que apesar de termos as contas certas, aspecto importante para a acessibilidade aos mercados financeiros, corremos o risco de nos acontecer como ao burro do inglês.

Temos um governo incompetente e incapaz de proporcionar aos seus cidadãos condições de vida semelhantes aos seus congéneres europeus, incapaz posicionar o país na posição que lhe cabe no pelotão europeu.

A terminar, e a poucos dias do momento mais alto na vida dos cristãos de todo o mundo, a celebração da Ressurreição de Jesus, desejo a todos uma santa e feliz Páscoa.

Guimarães, 4 de Abril de 2023
António Monteiro de Castro

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