Livro de "ourives feirante" do século XIX editado pela Sociedade Martins Sarmento
"Livros de notas de um ourives feirante. José Moreira Pinto de Carvalho (1806-1864)" é o título do livro editado pela Sociedade Martins Sarmento cuja apresentação pública realizou-se na quinta-feira, 26 de novembro, no Centro Cultural de Vila Flor, no âmbito do III Congresso Internacional - As Cidades na História.
Com estudos introdutórios de Manuela de Alcântara Santos, Antero Ferreira e Fátima Silva, o trabalho constitui uma transcrição organizada e anotada de dois cadernos manuscritos, com anotações diversas, "na sua maioria relacionadas com a atividade profissional do feirante ourives, mas também com a sua vida familiar e da sua ocupação familiar de pequeno proprietário agrícola que arrenda os seus terrenos para exploração", notou o professor catedrático Jorge Fernandes Alves.
José Moreira Pinto de Carvalho, nasceu a 7 de junho de 1806 em Guimarães, na freguesia de Nossa Senhora da Oliveira, em casa de seus pais, situada na Rua dos Mercadores, nº 3. Nasceu e cresceu numa família de ourivesaria e a sua atividade de feirante, de acordo com as anotações, teve mais incidência nas décadas de 1830 e 1840, assinalou o historiador, considerando "estimulante verificar o cuidado de uma instituição e de um grupo de investigadores que se dedicam a uma edição com caraterísticas específicas e originais".
Referindo-se a Manuela Alcântara como uma "referência incontornável" na temática da ourivesaria, Jorge Fernandes Alves salientou a sua interpretação do trabalho do feirante, "explorando cuidadosamente as informações sobre esta actividade", fazendo questão de a citar: “os livros de contas de José Moreira Pinto de Carvalho são preciosos: convidam-nos a acompanhar o dia a dia duro e arriscado de um feirante; alargam o conhecimento histórico da ourivesaria vimaranense – produtos, modelos, consumos, preferências, formas e relações de negócio, vivências familiares”.
Num outro momento, observou o "potencial" do texto, assinado por Antero Ferreira e Fátima Silva, onde são realçadas as dimensões: propriedades, vestuário, serviço doméstico, criadas e correspondência, "tanto mais que o livro inclui anotações da esposa do feirante".
"O livro permite ao leitor curioso e ao investigador especializado ter acesso direto ao documento original, onde são partilhados importantes eventos da vida comercial e particular de uma família burguesa vimaranense da primeira metade do século XIX”, indica a Direcção da Sociedade Martins Sarmento, presidida por Antero Ferreira.
Jorge Fernandes Alves salientou o contributo da obra para o estudo da emigração. "As cartas transcritas relacionadas com a emigração dos vários filhos, nomeadamente a procurarem saber se estão vivos ou mortos, ou a tentarem encontrar à distância destinos profissionais alternativos para os filhos que não estariam bem arrumados no Brasil, tentando encaminhá-los para o negócio, o espaço de atividade de onde voltavam os “brasileiros” de retorno da emigração", analisou.
"Foi a ler transcrições neste domínio em textos de A. L. de Carvalho (António Lopes de Carvalho), que foi quem doou os livros à Sociedade Martins Sarmento, que eu próprio soube da existência dos livros de notas a que agora tenho acesso mais fácil. Mas a leitura por inteiro das cartas dá outra dimensão, mostrando o deslaçar da família pela emigração, em que os filhos raramente escrevem à família, perdidos na lonjura, quem sabe por que razões, como foi o caso dos filhos Luís e Avelino, de que se perderam notícias desde 1864… Em 1891, quando morreu a mãe deles, já viúva de José Moreira, e se fez anúncio do inventário, citavam-se os filhos Luís, Avelino e José como “ausentes em parte incerta do Brasil”. Mas em 1897, a relação consular dos óbitos do Brasil, incluía o óbito do Avelino na Baía, falecido, por congestão, em 8 de março de 1896, apontando-lhe como profissão “cigarreiro”, mostrando que o esperado negócio, ou seja, trabalhar no comércio não era para todos", apontou, numa intervenção sublinhou o papel de Manuela Alcântara, no aprofundamento do conhecimento da história de Guimarães.
Na sua intervenção, a historiadora agradeceu a simpatia e análise feita ao livro, fazendo questão de explicar que a ideia partiu de Antero Ferreira, "o coordenador" do trabalho, realçando a dedicação e meticulosidade de Fátima Silva e a "coerência gráfica" que a designer Alexandra Xavier "soube introduzir a um texto muito complicado".
"O livro surgiu no seio da Casa de Sarmento, com as pessoas da Casa de Sarmento, onde me senti sempre muito favoravelmente acolhida e muito estimulada a continuar este trabalho. Foi um trabalho demorado. Desde que começou passaram quatro anos, teve uma história atribulada, com uma pandemia pelo meio", lembrou, mostrando-se reconhecida pela Comissão Organizadora do Congresso ter acedido a incluir a apresentação no programa, por considerar que o trabalho integra-se na "economia", temática desta edição. "Por um lado, a ourivesaria é um labor da Cidade, desde o século XIII/XIV quando deixa os conventos e vem para a Cidade. É aqui que os ourives trabalham. É aqui que eles vivem. E podemos dizer: e as aldeias da Póvoa de Lanhoso? As aldeias estavam subordinadas económica e organizacionalmente a Guimarães. Os ourives de lanhoso vendiam ao José Moreira e a outros o seu produto para depois ser comercializado e até a longa distância, porque eles não tinham capacidade para isso", asseverou, ao acrescentar: "e ao mesmo tempo também estavam subordinados hierarquicamente. Eles vinham fazer exame, receber a sua carta de origem a Guimarães e muitos cá ficaram e atingiam os postos mais elevados dentro do ofício".
"A ourivesaria é essencialmente um trabalho da cidade, na cidade ou para a Cidade. O outro aspecto é que sendo este congresso vocacionado especialmente para o estudo da economia, quem ler o livro do José Moreira encontrará produção, comercialização, preços, salários, matéria-prima, trabalho, mercados e sistemas económicos", concluiu.
Marcações: Sociedade Martins Sarmento, Município de Guimarães, ourivesaria , III Congresso Internacional - As Cidades na História