VÍDEO: "Não perdi a fé em Nossa Senhora de Fátima", conta sobrevivente do trágico acidente na auto-estrada A1
Quase um ano depois do trágico acidente que envolveu um autocarro que saiu de Guimarães e se dirigia ao Santuário de Fátima, causando três mortos e mais de 30 feridos ainda não está concluído o inquérito instaurado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Mealhada, da comarca de Aveiro.
O veículo não tinha seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nem vistoria e o Fundo de Garantia Automóvel só na semana passada terá assumido a responsabilidade pelos danos às famílias das vítimas mortais e aos feridos, sem que até ao momento tenham sido atribuídas quaisquer indemnizações.
O processo judicial está longe de conhecer um desfecho, dada a complexidade dos contornos inerentes ao apuramento de responsabilidades quanto à fatalidade que, no dia 21 de Maio de 2022, causou profunda consternação em toda a comunidade vimaranense e que continua bem presente na memória e na vida de muitas pessoas que directa ou indirectamente sofreram as consequências.
"O que aconteceu não me sai da cabeça. Não tenho sossego. Ela não se lembra de nada e ainda bem, mas eu vi aquilo tudo", revela José Mota, passageiro que saiu ileso, mas que seguia ao lado da esposa, Glória Almeida, de 71 anos, a sobrevivente que esteve vários meses internada nos hospitais de Coimbra e Guimarães e depois na Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave.
O acidente roubou-lhe a vida de independência, em que podia liderar as lides domésticas e tratar do quintal, sem precisar do amparo constante do marido. "Ele agora é que faz tudo", aponta Glória Almeida, rosto de resiliência e de uma força de vontade impressionante.
Com uma simpatia natural, o casal recebeu-nos em casa, adaptada à nova condição da sobrevivente que se movimenta com o auxílio de um andarilho e que, desde a tragédia, passou a usar uma sonda nasogástrica para ingerir os alimentos líquidos. "Como devagarinho, para não me engasgar, faço tudo com o máximo cuidado", explica, ao pormenorizar que a sua vida é agora preenchida com as sessões de reabilitação física e de terapia da fala, numa recuperação lenta com evoluções que são pequenas conquistas pessoais, contanto com o incentivo da neta que frequenta um curso superior de fisioterapia.
"Aquele dia foi uma desgraça para mim, mas ao mesmo tempo foi uma alegria porque estou viva e posso estar junto dos meus filhos, do meu marido e dos meus netos"
Apesar de todas as provações que tem enfrentado, Glória Almeida é peremptória: "Não perdi a fé em Nossa Senhora. Continuo com a minha devoção e quero lá ir outra vez. Não quero ir de autocarro, quero ir de carro com a minha filha, com o meu genro, com os netos e o marido. Aquele dia foi uma desgraça para mim, mas ao mesmo tempo foi uma alegria porque estou viva e posso estar junto dos meus filhos, do meu marido e dos meus netos", expressa, emocionada, observando: "A minha vida mudou. Mudou tudo. Mas, sinto uma alegria medonha quando estou em casa e recebo a visita dos netos. Continuo a acreditar na vida. Rezo a Nossa Senhora e ao Santo António, eles ajudam-me muito".
Na fatídica viagem, José Mota recorda que o autocarro "deu um sinal pouco tempo antes do despiste e o povo berrou com o condutor para ele parar". "Infelizmente, ele não parou, guinou, atravessou a auto-estrada e só foi travado pelo poste. A minha esposa seguia no lugar do lado do corredor do autocarro. Com o impacto, ela foi cuspida pelo corredor adiante e, no meu entender, a televisão deslocou-se e atingiu-a. Ela estava muito mal. Ficou em estado crítico, a sua recuperação tem sido uma espécie de milagre".
"Parece que aquela viagem nos levou ao engano"
Aposentados, após uma vida profissional dedicada ao serviço da indústria têxtil na empresa Coelima,em Pevidém, José e Glória tinham rotinas sociais que foram alteradas. Já não vão ao café diariamente e o mundo dos dois passou a ser dividido entre a casa e as instituições de saúde. "Sinto que fomos condenados a uma espécie de prisão. É o meu dever, ela merece tudo o que faço, porque é a mulher da minha vida. Temos uma vida em comum há 50 anos, sempre nos respeitamos. Mas parece que aquela viagem nos levou ao engano", diz o marido, ouvindo imediatamente da esposa o reparo: "se fosse ao contrário, eu também me dedicava a ajudá-lo e apoiá-lo".
Desde o acidente, a família tem assegurado o pagamento de todas as despesas. "Até agora, não recebemos nada. Se não tivéssemos uns tostões de lado, bem morria à fome, já estava morta há muito. As nossas economias é que nos têm valido, assim como o apoio dos nossos filhos", refere a sobrevivente, com o marido a acrescentar, ironizando, com um sorriso: "tínhamos de vender a 'barraca' e onde íamos viver?"
O condutor e sócio da empresa proprietária do veículo António Araújo, de 58 anos, e os passageiros Alberto Soares, de 77 anos, e Emília Castro, de 52 anos, foram as vítimas mortais do "pesadelo" que continua a atormentar dezenas de pessoas que aguardam o seu desfecho.
Marcações: acidente na auto-estrada A1