ENTREVISTA: Repercussões da pandemia pelo olhar de José Lopes, Provedor Municipal do Idoso
O Comércio de Guimarães (CG) - Na qualidade de Provedor Municipal do Idoso, como está a acompanhar o impacto da pandemia junto da população mais vulnerável do Concelho?
José Lopes (JL) - Com profunda preocupação, como seria natural. Logo nos primeiros dias da crise, mais exactamente em 16 de Março, o Município de Guimarães reuniu e criou na DAS um Gabinete de Crise, constituído por diversas pessoas, sendo uma eu próprio, a Dra. Adelina Pinto, vice-presidente do Município, a vereadora da Acção Social, Dra. Paula Oliveira, a directora da DAS, Dra. Alexandra Cunha, e sempre sob a ligação superior do Dr. Domingos Bragança. Foram criadas três linhas telefónicas exclusivamente dedicadas, sendo de imediato destacadas 11 Técnicas Superiores do Município, para, em teletrabalho, cobrirem todos os dias as 11 comissões sociais inter-freguesias que já existiam em todo o Concelho, ligando diariamente a todas as instituições da respectiva área, sejam juntas de freguesia, projectos sociais já apoiados pelo Município, instituições de solidariedade social, como lares.
O objectivo era fazer o levantamento das situações delicadas existentes e articular de imediato com as múltiplas Instituições como a PSP, GNR, Bombeiros Voluntários de Guimarães e Taipas, Cruz Vermelha, Corpo Nacional de Escutas, Refood, Segurança Social, ou os serviços/departamentos municipais, desde a própria DAS, à Polícia Municipal, Fraterna, Casfig, Protecção Civil Municipal, Banco Local de Voluntariado, etc, etc. e encontrar as necessárias respostas, fossem de ordem sanitária, de alimentação, medicação ou qualquer outra carência urgente. Ao mesmo tempo recebiam chamadas de todas as pessoas com problemas, e mesmo das próprias juntas de freguesia dessa área. No final de cada dia, cada uma dessas 11 responsáveis elaboravam relatórios de toda a actividade do dia, dos problemas suscitados, das soluções encontradas e das questões ainda a aguardar solução, que remetiam aos responsáveis do Gabinete. Eu próprio recebia diariamente todos esses relatórios, alguns deles a chegar já no início da madrugada, e representavam um retrato brutal da situação sanitária e gravíssimas carências económicas que se viviam, e que precisavam de respostas imediatas.
CG - O Programa de Apoio e Sinalização dos maiores de 65 anos continua? Este ano, há mais casos sinalizados? E estão relacionados com a crise sanitária?
JL - Penso que foi pacífico aos olhos da maioria dos vimaranenses o muito positivo trabalho que foi desenvolvido nesta crise pelo Município de Guimarães, com destaque justo pela acção do Dr. Domingos Bragança, presidente do Município. Permanente atenção, disponibilidade e empenho para antecipar e preparar respostas aos sérios problemas sanitários, numa articulação constante com os Serviços de Saúde e Hospitalar, sendo igualmente justo destacar
o presidente executivo do ACES, Dr. Novais de Carvalho e o presidente do C.A. do Hospital da Senhora da Oliveira, Dr. Henrique Capelas, e de toda a sua Equipa.
Em Guimarães, os responsáveis municipais não se colocaram em bicos de pés a berrar para Lisboa que a situação era grave e exigir respostas, mas fizeram o que era importante e necessário, trabalhando e antecipando soluções, apoiando as Instituições e as pessoas. Mas também importante, muito mais importante, é que já tinha criado, há vários anos, uma Rede Social estruturada e de grande qualidade, com pessoas empenhadíssimas e competentes.
Nesta acção destaca-se a criação do Programa de Sinalização dos maiores de 65 anos, particularmente aqueles que viviam sozinhos. Esse programa tem na sua base a existência de 41 gestores sociais, profissionalmente pertencentes a instituições sociais ou projectos sociais apoiados pelo Município, que sinalizam e acompanham os Idosos nos seus domicílios. É um trabalho de grande valor social pois permite o convívio com os nossos idosos, mesmo quando se limitam a escutar com atenção os desabafos ou memórias desses cidadãos. Mas o valor aumenta quando surge o aniversário desse cidadão e o Gestor Social o visita, levando-lhe
sempre uma pequena prenda do Município com um cartão pessoal do Dr. Domingos Bragança, seu Presidente. Em todo o concelho de Guimarães já há 2.663 pessoas sinalizadas,
que vivem sozinhas, ou simplesmente acompanhadas de uma pessoa da mesma idade. E neste ano de 2020, marcado fortemente pelas contingências desta pandemia, já foram sinalizadas 359, quase 15% do total, quando todos sabemos que a actividade dos gestores sociais foi fortemente condicionada pelas conhecidas razões sanitárias, particularmente em defesa dos nossos idosos.
Como sabemos, este Programa disponibiliza ainda um telefone para que os nossos idosos possam contactar com diversas entidades e familiares, de forma inteiramente gratuita. Até agora já foram disponibilizados a esses Idosos sinalizados 767 telemóveis, mas só nesta fase da pandemia foram entregues 80, num esforço colectivo para reduzir o isolamento e solidão das pessoas.
CG - Com a actividade presencial suspensa desde Março, de que forma tem exercido as suas funções?
JL - De uma forma geral com a estrutura do Gabinete de Crise Social já descrito, através do trabalho diário das 11 Técnicas Superiores do Município. Ao mesmo tempo foi possível estabelecer diálogo com diversas entidades que pudessem assegurar melhores condições económicas a todos os cidadãos de Guimarães com mais de 65 anos e que possuem o Cartão Municipal do Idoso, cartão esse emitido gratuitamente pela Câmara Municipal de Guimarães a todas as pessoas que o solicitem. Neste momento já são vários milhares os cidadãos que possuem esse cartão, e que lhes concede diversos benefícios, indicando como exemplo as viagens gratuitas no teleférico de e para a Penha, a entrada gratuita nas piscinas do Scorpio – Piscinas Municipais., a redução de 50% nos preços de todas as actividades ou serviços prestadas nas piscinas cobertas do Multiusos de Guimarães e nas piscinas de Moreira de Cónegos, participação em passeios e convívios que já mobiliza anualmente milhares de pessoas. Pois bem, muito brevemente, o Município de Guimarães irá estabelecer novos protocolos com outras entidades que irão conceder vantagens económicas relevantes a todos esses possuidores do Cartão, agora na área da saúde e de bem-estar e da cultura. Será mais um forte comprovante da feliz expressão: «É bom viver em Guimarães».
CG - Continua em contacto com os munícipes que recorrem ao Provedor? Como tem sido essa nova experiência? Que apoios dispõe para o exercício da sua missão?
JL - Logicamente que os tempos actuais exigem novas regras, sempre em defesa dos mais fragilizados, mas a partir da próxima sexta-feira já vou poder iniciar as audiências presenciais no Gabinete que possuo na DAS, bastando para tanto que as pessoas façam a marcação prévia nos Serviços da DAS ou Balcão Único do Município. Desde o primeiro momento conto com o apoio logístico do Município, em todas as suas dimensões, e a colaboração importante das forças policiais, seja PSP ou GNR, e do Tribunal Judicial, designadamente dos Senhores Procuradores da República.
CG - Tem procurado saber como estão a responder aos desafios inesperados as Instituições de Apoio à Terceira Idade do Concelho?
JL - Obviamente que tenho acompanhado de perto essa realidade, e não me canso de agradecer o fantástico trabalho desenvolvido por TODAS as instituições sociais do concelho de Guimarães, de todos os seus dirigentes, colaboradores e voluntários. Foram excepcionais. Na fase mais crítica, essas Instituições, com a adesão dos seus colaboradores, mantiveram-se fisicamente na Instituição ao longo de uma ou duas semanas, sendo substituídos no final desses períodos. Deixaram assim durante largo tempo as suas famílias, os seus maridos ou filhos, para se dedicarem com maior carinho e segurança aos seus utentes. Dificilmente a sociedade saberá reconhecer o relevante papel que tiveram. Basta reflectir minimamente no que aconteceu nos Lares de Guimarães. São 27, sendo dois deles particulares, e têm todos cerca de 1.200 utentes. Com esta dramática situação da pandemia que tantas vítimas mortais provocou, designadamente em Lares de Idosos, em Guimarães, com tantos utentes, registaram-se duas vítimas mortais. Temos por isso de saudar e mostrar o nosso reconhecimento a todos esses dirigentes que asseguraram a gestão desses equipamentos, naturalmente incluindo todos os seus esforçados e dedicados colaboradores. Foram todos, e por isso o nosso agradecimento é geral. Mas não resisto, por ser da maior Justiça, que mencione o Dr. Eduardo Leite, Ilustre provedor da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães e de toda a sua equipa, que gere diversas equipamentos sociais onde tem mais de 300 utentes, ou seja, quase 25% do total do Concelho. Claro que todos também sabemos, e é igualmente justo dizê-lo, que o Município de Guimarães, designadamente o seu presidente Dr. Domingos Bragança e a própria Dra. Paula Oliveira, vereadora da Acção Social, tiveram sempre uma actividade de Apoio permanente a todas essas Instituições Sociais, designadamente no apoio em bens e serviços, mas principalmente apoio económico. Ainda em relação aos lares, e designadamente daqueles que tinham a valência de centro de dia, embora tivessem suspendido a sua actividade com eles no lar, continuaram a assegurar as refeições que levavam ao domicílio, passando portanto a realizar com todos eles um verdadeiro apoio domiciliário. E hoje estão todos esses lares do Concelho a preparar o regresso dos centros de dia, em articulação cuidada com os Serviços de Saúde, a Segurança Social e a Protecção Civil Municipal.
Mas sejamos também realistas, o Governo precisa de estar mais atento a esta realidade nos nossos lares. Precisa de reavaliar frontalmente os valores que todos os anos atribui ao funcionamento regular dessas Instituições, garantindo meios suficientes para uma qualidade de vida digna e os cuidados médicos essenciais. E ser exigente, muito mais exigente! Saúdo com alegria a decisão recente do Governo de criar o novo Programa PARES-3, onde
serão mobilizados 110 milhões de euros para projectos para novas respostas sociais na área da infância e 3ª Idade. Os nossos lares estão repletos. Precisamos de novas respostas para tantas e tantas pessoas que estão no seu domicílio mas sem condições de saúde e apoio.
CG - Privados de abraços, beijos e ternuras familiares, fragilizados por inúmeras doenças, como vão “resistir” os mais velhos que estão confiados a essas Instituições?
JL - Não é fácil, nada fácil, a situação de uma grande quantidade de pessoas idosas que estão institucionalizadas, até porque muitas delas pensam que deixaram de ser visitadas por opção pura dos seus familiares, deixando-os assim marcados e magoados por uma maior tristeza, por mais argumentos verdadeiros que os colaboradores dos lares expressem. E neste quadro, não podemos esquecer que já um pouco mais de metade das pessoas que vivem nos lares está literalmente acamada, vítima de diversas e graves doenças, que não permite entender a situação presente. Precisamos todos, os seus familiares e amigos, de realizar um grande esforço para dar alento a essas pessoas, mas também é verdade que as regras de segurança estabelecidas, e necessárias, não facilita nada essa necessidade.
CG - Sente que esse afastamento forçado está a “partir corações”? Tem ideia como poderemos ultrapassar esse efeito colateral da pandemia?
JL - Em primeiro lugar pela mobilização dos seus familiares e amigos, visitando-os com a frequência possível, dentro do quadro de segurança (principalmente a pensar neles) estabelecido. É urgente que sintam que são queridos e apreciados pelos seus familiares e amigos.
Mas é claramente visível que o Ministério da Saúde tem um grande trabalho aqui a fazer, pois a recuperação dessas pessoas passa por uma intervenção cuidada e estruturada na área da Saúde, em múltiplas valências, que vai exigir apoio médico permanente, que a estrutura da Saúde Pública tem de assegurar. O Governo tem um grande desafio pela frente e esta pandemia veio colocar a nu a nossa fragilidade e a URGÊNCIA de novas respostas na área da
saúde pública, particularmente no apoio permanente aos nossos Lares.
CG - Com rotinas alteradas, quem vive em Instituições de longa permanência não estará silenciosamente a ser consumido pelo medo e pelo sofrimento por estar “retido”, podendo apenas ter contacto uma hora por semana com um familiar, a quase três metros de distância?
JL - É óbvio que o perigo existe e por isso temos de rapidamente aprender e tomar as decisões certas e profundas, designadamente ao nível dos poderes públicos, para enfrentar a situação. Mas também não podemos perder de vista que esta é uma hora diferente, que não será forçosamente permanente, e que provavelmente no próximo ano já enfrentaremos regras mais suaves e mais fáceis de ultrapassar. Mas são verdadeiramente tempos difíceis.
CG - E aqueles que estando em casa, não podem abraçar filhos e netos?
JL - É uma experiência única a que estamos a viver. Eu próprio, que diariamente tinha a missão de recolher os meus dois netos nas escolas, (dois diferentes) levá-los dois dias por semana a outra escola e ficar com eles até ao fim do dia, num apoio diário e necessário aos pais, vi-me de repente privado de todo esse trabalho/prazer, passando uma vez por semana a visitar os netos, sem entrar em casa, ficando eu e a minha mulher na rua e eles na varanda. Fiz registos fotográficos dessas cenas, que nos fazem lembrar os tempos de namoro de muitos dos nossos antepassados.
CG - Tem sido difícil para o Provedor do Idoso reflectir e colaborar na resposta para a “crise” de contornos ainda incertos?
JL - Esta crise é séria e nova para todos. Ninguém, nenhum Estado, estava preparado para a enfrentar. Tivemos todos de aprender e mobilizar esforços para auxiliar os mais frágeis, prioritariamente. Mas vê-se hoje, claramente que, afinal, o risco de contaminação também atinge as idades mais jovens, embora com menores riscos de saúde, o que pode ajudar a um certo “relaxamento”, o que seria muito perigoso para a sociedade em geral.
CG - A actual crise sanitária está a deixar marcas profundas na sociedade… Pessoalmente, como se tem adaptado?
JL - Pessoalmente, com profundas preocupações. Porque se ao nível sanitário ainda estamos longe de ter uma resposta segura, tudo apontando para a necessidade de convivermos com esta «anomalia» ainda durante mais alguns meses, começam a aparecer as violentas consequências económicas de toda esta pandemia. Temo que os próximos meses nos mostrem o encerramento de muitas fábricas, designadamente na nossa região, com o consequente desemprego de muitas pessoas. O esforço do Governo em tentar segurar os postos de trabalho com as sucessivas lei-off para para apoio às pessoas e à economia, pode não garantir a necessária recuperação das empresas perante o forçado fecho durante tão largo tempo. Vamos aguardar com alguma confiança. Nós sabemos que temos empresários notáveis, trabalhadores, empenhados e de grande espírito social, mas infelizmente também há alguns que não defendem esses princípios.
*Entrevista publicada na edição de 2 de setembro do jornal O Comércio de Guimarães.
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