O sangue vimaranense derramado na Batalha de La Lys
É no cemitério da Atouguia que se encontra o mausoléu que presta o tributo aos combatentes vimaranenses que pereceram durante a I Guerra Mundial.
A 9 de Abril de 1918, na Batalha de La Lyz, o sangue desses soldados foi derramado pela Pátria, perdurando a homenagem ao seu heroísmo na toponímia citadina, conservando-se até ao presente a memória do reconhecimento público daqueles que partiram para onde o dever os chamou. A Avenida dos Combatentes da Grande Guerra e a Rua Capitão Alfredo Guimarães são exemplos desse legado.
Embora Portugal tenha entrado oficialmente no conflito a 9 de Março de 1916 com o Corpo Expedicionário Português, desde o seu início da conflagração, Guimarães acompanhou intensamente os acontecimentos relacionados com os movimentos das forças beligerantes, assim como a situação social, económica e política do País.
Em diferentes ocasiões, a marcha dos militares que retiravam do quartel do Regimento de Infantaria nº 20 – actual Paço dos Duques de Bragança – em direcção, no início de 1915, a terras de Angola, em África, e, depois, em 1916, rumo a Tancos onde se deviam preparar para combaterem em França, mobilizou a atenção da comunidade que em manifestações colectivas impressionantes se despediram daqueles que partiam para defender a honra da Mãe Pátria.
Durante o conflito, o jornal O Comércio de Guimarães acompanhou pormenorizadamente o envolvimento português, registando nas suas páginas a dor colectiva.
Para assinalar o centenário da Batalha de La Lyz que se celebra esta segunda-feira, recuperamos dois artigos publicados em Abril de 1918, reveladores da intensidade com que os acontecimentos da linha da frente, ou do «front», foram sentidos na gloriosa «colmeia» industrial do Minho.
Edição de 20 de Abril de 1918 - nº 3219 "A Grande Conflagração – Notas d’um cronista
Quando todos menos esperavam, os alemães, embora continuando com a sua insistente pressão na zona Montididier-Noyon Lassigny sobre Compiégne, atiraram agora uma estocada violenta sobre o sector que vai de Benhune-La Bisaée ao sul, a Armentières e Yprés ao norte – quer dizer, muito para cima de Airas e em plena Flandres, levando como directriz evidente a linha Aire-Saint Omer – Boulogne e Calais.
Coube a vez às nossas tropas do C.E.P. de serem duramente apalpadas pelos alemães que, pelas últimas notícias, estão já de posse de Lavantie, Saint-Vaste e quase conquistaram Messines, que já fica em sector inglês.
Os alemães dizem que tomaram 100 canhões e que fizeram 20 000 prisioneiros.
É possível: Quem vai à guerra dá e leva e não há nisso nem vergonha nem desonra.
Antes pelo contrário!
Alguma parte nossa lá deve ter ficado estendida para honrar o nome de Portugal. Que Deus tenha as suas obras em Sua Santa Guarda e que as memórias dos que lá ficaram vivam eternamente em nossos corações!
Di-lo com toda a emoção quem aos que se estão batendo lá longe vota um culto muito particular e muito sentido. Culto duplamente sentido: porque diz respeito a soldados que caem no seu posto e porque o inspira essa pobre gente tão caluniada e tão desprezada por quem os fez embarcar na Grande Aventura em que se vêem. Pobre e brava gente!
Mas souberam provar que muito embora sem sólida preparação militar sabiam levar até à última o cumprimento do seu dever militar, como jamais o souberam os aventureiros de má morte, que, ali os iam meter, à guisa de carneiros, entre dois taipais, nos cais de Alcântara.
E se é doloroso para a nossa alma saber que lá ficou gente portuguesa, por outro lado sente-se uma inteira consolação ao lerem-se as palavras de justiça que lhe dedicam tanto franceses, como ingleses. Altamente consolador!
E tantos deles, deveio ser d’essos oficiais que os bandidos escarraram em Santarém e na gare de Campolide para depois virem dizer com ares superiores: «que haviam de ir para França mesmo que fossem encaixotados».
Tratantes! E eles a ficarem por cá, aguentando os que dispunham disto como se fosse seu…
Sempre tivemos a opinião que hoje temos sobre o comportamento da nossa gente em França.
E porque não haviam esses oficiais e esses soldados de se portarem bem?
A relutância em ir para a guerra, e que era geral em todo o Exército e em todo o País, jamais significou cobardia ou falta de brio.
O que ninguém queria era ir para a guerra sem saber porque ia. O que o Corpo de Oficiais exigia era preparação nos quadros e na tropa, sabedores como eles estavam de que se ia para coisa muito séria e que o inimigo não brincava nem às guerras.
Mas não pensavam assim os que então tinham em suas mãos os destinos de Portugal.
Mandar soldados e mais soldados, muitos oficiais, muita gente para que os Aliados vissem que os empreiteiros tinham força, muita força, tinham zelo, muito zelo, todos eles pelos aliados, pela justiça e polo direito…
Resultado: um despejar contínuo de soldadesca bisonha, com falta de preparação militar, sem uniforme quase, sem equipamentos, completamente desprovidos de tudo!
A princípio uma divisão bastava. Depois já Norton de Matos não se contentava com menos de um corpo de Exército e mais artilharia pesada para o sector inglês e mais artilharia pesada para os sectores franceses.
Um verdadeiro motu-contínuo, em suma um puro bluff!
E a Inglaterra dizia: «pois se vocês não têm recursos para uma divisão só, porque querem ainda mandar outra?»
Mas o Patrão Norton insistia e portanto como recusar? Mais gente, mais gente e mais gente: tísicos, suflíticos, arrevezados, anémicos, tudo servia, tudo marchava!
Uma vergonha, um horror e um crime!
Graças a Deus, a fibra portuguesa ainda fez este último prodígio, o que vem a provar que a Raça não morre!
Mas que coesão não teriam esses homens se não temendo como foram, se não tem ido como foram, se não tem pensado honradamente em mandar homens para a guerra e não Carneiros para o matadouro?"
Saturio Pires (De a Monarchia)
Edição de 27 de Abril de 1918 - nº 3221 - "O Sangue da Redenção!
Verte-se agora na Flandres o sangue redentor de Portugal!
Que tremam de vergonha e de arrependimento aqueles que alguma vez pensaram que as Virtudes da Raça morreriam jamais! Que sintam palpitar de novo a Esperança aqueles que alguma vez descreram dos Destinos de Portugal! Não pode morrer um Povo que tem tão grandes Filhos! Portugal há-de ser grande, porque pode ser grande!
É o sangue dos soldados Portugueses o custo da Redenção! Todas as grandes obras têm mártires na sua História. Benditos os soldados portugueses, cujo sangue é o penhor da Redenção de Portugal!...
Entre tanta Dor, e tanta miséria, consola a alma ver que Portugal não desmerece do seu nome que teve pelos séculos fóra a aureola da glória a engrandece-lo!
É nas trincheiras que se encontra o gérmen do que há-de ser o Portugal futuro que essa Mocidade heróica e generosa levantará nos ombros para a glória eterna!
É nessa Mocidade que se bate e que parece com honra que nós pomos os olhos ansiosos e crente!
Eles levarão a cabo a sua obra! Eles mostrarão ao mundo inteiro que são dignos descendentes dos serranos d’Aljubarrota e dos cavaleiros d’Alcacer.
Eles mostrarão que só sabem triunfar com Glória ou perecer com honra! A alma de Nun’Alvares Pereira vive neles, como vive neles a valentia de Viriato! Um e outro morreram! Mas a história registou os seus nomes e Portugal inteiro relembrou aqueles a quem tanto deveu! A Mocidade Portuguesa morrerá. Mas o seu sacrifício não será inútil, porque dos destroços ensanguentados da sua carne renascerá a grandeza da Pátria porque todos ansiamos, o Portugal Maior que é toda a razão da Nossa Vida!...
*
Estão de luto os peitos dos Portugueses! Está de luto a Alma da Pátria que sente na Morte dos seus Filhos o descarnar das suas entranhas! Mas é o sacrifício o acto mais solene da nossa Vida! E quando desse sacrifício bendito depende a honra e a vida de uma Pátria, todo o sangue é pouco para que o digamos mal empregado, toda a desgraça se alivia com os olhos fitos na Bandeira da Pátria!
Neste momento sagrado em que a Morte espalha sobre o Mundo as suas asas negras, está-se jogando o Futuro de Portugal, estão-se jogando os direitos de todas as nações livres. Desta enorme sangueira uma era nova sairá! Nações desaparecerão, outras perderão o seu antigo poderio. Não podia ser indiferente à sorte do mundo inteiro um Povo que foi Imenso que o mundo acrescentou de tão longínquas terras!
Estamos em guerra – levados por uma boa ou má orientação política! Mas é preciso que de tanto sacrifício algum proveito saia, que não apenas a glória de nos termos batido por palavras bonitas…
É disso que devem cuidar os dirigentes de Portugal! Se a República não tem diplomatas, se a bitola do regímen é a ignorância crassa, que se vão buscar, seja onde fôr, as competências que têm o dever de não se esquivar desde o momento que sejam bons Portugueses! O exemplo do vizinho Reino é bem para meditar! Sigam os governantes portugueses, esse caminho, se não querem ver inutilizado o ardente sangue da Mocidade Portuguesa, acarretando para sempre com o labéu de maus servidores da sua Pátria!»...
João Camilo Félix Correia"
Marcações: O Comércio de Guimarães, I Guerra Mundial, Batalha de La Lys