DA SUBURBANIDADE

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Sem a ilusão de se conjecturar toda a população do Grand Paris (mais de 11.000.000 habitantes) concentrada apenas no concelho de Arcos de Valdevez (que também, para igual densidade demográfica,

comportaria a de Portugal), ou a totalidade da mundial na França e sabendo-se, como se sabe, que mais de metade desta derradeira já reside em áreas urbanas, parece interessante debruçarmo-nos sobre a forma como estas se organizam. E particularmente sobre o fenómeno algo recente da suburbanidade (nomeadamente nos USA a partir da “2ª Grande Guerra). Suburbanidade que, por estas paragens nativas, se tem concretizado através da dispersão a esmo.

Entretanto e não sendo a urbanização um fenómeno recente, no entanto, convém desde já adiantar-se que ela se concretiza, sempre, como uma ocupação do solo que destrói a parte mais externa, superficial, da litosfera; e, portanto, altera substancialmente esta. Daí que, com o enorme crescimento urbano que tem acontecido nos últimos séculos e, sobremaneira, nos tempos mais chegados (pela necessidade de acomodar uma população urbana cada vez maior), crê-se que essa actividade humana tem influído de maneira crescente no decurso sequencial do processo planetário. E igualmente que, em princípio, quanto maior for a densidade demográfica menor será a área devastada, ou o inverso. O que racionalmente e, ainda, por outros motivos, nos remeteria para a contenção urbana.

Tanto mais que a urbanização não se limita à edificação, mas engloba toda a infraestruturação essencial ao funcionamento da urbe e, nessa medida, a concentração facultaria aquilo que, de um ponto de vista de eficiência, se pode inferir do conceito económico de “economia de escala”. Sem se descurar, voltando atrás pela importância que a distinção permite destacar, que aquela ocupação não se restringe apenas às alterações do natural percurso da Terra, mas também incide sobre as próprias sociedades urbanas e talvez, até, não só a estas.
Depois, sem se pretender historiar, ou detalhar causas, do já milenar fenómeno urbano, pode facilmente supor-se que ele começou por uma pressentida necessidade de aglomeração de gente antes disseminada, sedentarizada ou ainda não (porventura, até, no seu início, de caçadores recolectores). Necessidade que, por estes lados mediterrâneos e posteriormente europeus, se foi implementando de forma progressiva, quer no número das urbes, quer no seu tamanho. O que permite concluir de um direccionado, e contínuo, movimento para estas. Movimento esse que ainda parece manter-se por quase todo o mundo e não só no espaço antes referido. E como resultado dele surgiram grandes cidades, metrópoles, áreas metropolitanas e megalópoles. Num percurso de centralização urbana que, a partir de um determinado momento moderno, senão mesmo já contemporâneo, começa a mostrar uma tendência contrária, isto é, de procura e mudança para periferias. E se a razão daquele outro movimento assentava na evolução que a concentração criou, ao, essencialmente, fomentar a divisão do trabalho e subsequentes especializações de funções (tornando-se assim a força motriz que, por estes, lados nos trouxe da sociedade feudal à industrial e depois, nesta, numa espiral progressista, aos dias de hoje). A verdade é que ela permanece para o, e no, todo desta nova realidade. Aliás, já alargada a uma escala mundial.

O porquê disto? De uma forma genérica e em primeiro lugar, como já se indiciou, porque as especializações (advindas da divisão do trabalho), para singrarem, carecem de procura. E como já se mencionou em texto anterior, quanto mais a oferta se vai especializando e desdobrando, menos são, num determinado cômputo, os que destas últimas carecem e, portanto, os novos interessados têm de ser encontrados num cada vez mais amplo. Daí a densificação demográfica urbana. Foi assim após a revolução industrial na sociedade dela resultante e, posteriormente, com muito maior premência na pós-industrial. Depois, em segundo lugar, porque o espaço estritamente urbano, por razões várias (económicas, de qualidade de vida, poluição, etc.), se vai tornando menos atractivo para alguns, ou, até, impeditivo para muitos. O que impõe soluções que, sem se distanciarem e mantendo uma pertença de proximidade, surgem como a alternativa possível e abstractamente desejável.
Temos por isso, como regra, grandes densidades nos centros urbanos e menores nas zonas suburbanas.
Acresce ainda que, como regra também, o poder político e a sua organização administrativa localizam-se em áreas urbanas e o, a, de topo, nos grandes centros urbanos.
Feita esta já longa divagação assaz circunscrita, imperfeita e sem a pertinente comprovação para um hoje em que se pretende, exige, cientificar qualquer proposição (ou seja, obrigatoriedade de citar enorme quantidade de bibliografia que a sustente), devolvamo-nos à primeira parte do acima parágrafo segundo. Aí se anunciavam malefícios da urbanização. Eles existem realmente, ainda que em graus diferentes e em função do modelo de ocupação. Assim, um primeiro e já invocado, imediato, a destruição da cobertura vegetal e consequentemente da biosfera nela existente. Só que a estas evidências acrescem muitas outras, que vão da poluição (da atmosfera, do solo e das águas), à excessiva mobilidade e ao calor centrados. Além disso as cidades, em si, são grandes potenciadoras de consumos variados (o que pressupõe uma forte contribuição para o esgotamento dos recursos não renováveis) e são, simultaneamente, grandes consumidoras de energia ... e por aí fora (num campo completamente distinto, recorde-se a disseminação da Covid 19). A seu favor jogam, no entanto, algumas atenuantes, por permissivas da minimização dalguns desses efeitos e muitos deles a decorrerem da já aludida economia de escala. Dentre estes, desde logo, podem-se apontar os transportes colectivos, a recolha das águas pluviais, os tratamentos de efluentes negros e lixos, o ordenamento do espaço e, na maior parte dos casos, a rentabilização de equipamentos e serviços. Em qualquer caso, todas essas atenuantes, como se escreveu, têm a ver com o modelo prosseguido, seja ele o estritamente urbano ou o suburbano.

Deixando de lado o estritamente urbano, restrinjamo-nos ao suburbano, por nele poderem serem mais nocivos aqueles malefícios. E mesmo quando devidamente planeado, aquele urban sprawl carateriza-se por habitação residencial de baixa densidade e dependente essencialmente do automóvel, para além de aumentar consideravelmente as pegadas físicas e ambientais, pois carece também de maiores extensões de infraestruturas (com os correspondentes menos rentáveis custos de construção e manutenção, ou e de qualidade). Provocando, entretanto, um significativo aumento de tráfego rodoviário e consequentes engarrafamentos , bem como, também, incita às distinções sociais e à diminuição da coesão social. Assim e como escreveu Manuel Caldeira, “... agrava a tendência de crescimento desequilibrado do território, aprofundado os seus desafios ambientais, económicos e sociais.”. E segundo o mesmo, o recente Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial inverte o que vinha a ser impulsionado e estava consignado no Programa Nacional das Políticas de Ordenamento do Território, de 2019. Programa que prosseguia a intenção da contenção urbana, talvez irmanável com as actuais doutrinas do “crescimento inteligente” ou do “Novo Urbanismo”.

Mas se o urbanismo devidamente planeado (do ponto de vista da tão propagandeada, e vendida no discurso político, sustentabilidade ambiental), é mais daninho nas áreas suburbanas, que dizer nas de dispersão espontânea (ademais quando centrada em cidade com densidade muito baixa), que potenciam, mais ainda, a destruição do habitat da vida aí existente e a fragmentação dos espaços naturais. Porquê continuá-la então?
Fica a pergunta!

Fundevila, 29 de Setembro de 2024


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