Rentrée e Silly Season

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O mês de setembro marca habitualmente o tempo da rentrée política. O pós-férias é o regresso à azáfama de decisões, projetos e factos merecedores de atenção mediática.

Assinala também o fim de um tempo mais lento, menos ativo e onde cada acontecimento é catapultado à categoria de manchete, pela ausência de motivos de maior interesse, na chamada “silly season”.

Este ano a rentrée e a “silly season” são acrescidas de interesse, porque marcam a entrada num ano político autárquico de grande intensidade, e são, a cada ano, mais especiais, pelos tempos que vivemos.

O acréscimo de interesse pelo ano especial que iremos viver é normal e cíclico. A cada quatro anos repetem-se as fórmulas e os modelos e já começa a ser previsível de que forma iremos viver o tempo mediático atual. Já o facto de ser mais especial a cada ano, carece de maior reflexão, porque é consequência da alteração nos meios de comunicação, na regulação dos canais por onde se difundem as mensagens, e nas estratégias subterrâneas que vão hoje condicionando atos eleitorais e o debate político.

Comecemos pela primeira parte. O verão de 2024 e a reentrada no novo ano político têm semelhanças com 2012 e 2016. É o tempo da construção das narrativas que se irão impor ao debate político, da consolidação de factos que marcarão as campanhas e das escolhas que definirão os protagonistas e os temas centrais. No fundo, é o ponto de viragem entre a leitura da avaliação dos mandatos e a definição dos eixos centrais das discussões que marcarão as alternativas de futuro no ato eleitoral.

Quem viveu esses verões com especial atenção, já podia esperar que este tempo fosse marcado por notícias de determinada tipologia, e por vezes até acertar na autoria das mesmas, ou no timing em que elas se publicam, em vésperas de reuniões magnas, para que suscitem discussão durante as mesmas.

Já sobre a segunda parte, a preocupação cresce e intrinca-se com a primeira. Para fazer proliferar as mensagens, em 2024, como em 2016, vimos multiplicar os “cidadãos digitais” com origem e morada em “Guimarães”, com fotografias de perfil vindas de bancos de imagens e históricos criados “a martelo”. Os chamados “perfis falsos” organizam-se e preparam-se para a batalha.

As páginas de difusão de narrativas voltam ao ativo, alternando entre o maldizer, a perfídia e a mais vil mentira, e as publicações que apelam ao sentimento vimaranense e vitoriano, para criar tração. “Engagement”, chamam-lhe os autores das estratégias.

Há “opinadores” que afiam a caneta, novos que surgem pontualmente ou que vão ocupando espaços, para estarem prontos para, no futuro, serem comentadores da atualidade.

A estratégia multicanal passa pelos meios de comunicação mais clássicos, mas tem especial enfoque na componente digital. Tudo isto está, a uma outra escala, muito bem descrito e assustadoramente exposto no livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano da Empoli.

Uma outra leitura deste verão é profundamente aconselhável para a perceção dos tempos vindouros. Em “A Psicologia da Estupidez na Política”, de Jean-François Marmion, no contributo de Myriam Revault D’Allonnes, intitulado “Verdade e Política”, a autora convida-nos a refletir sobre o fim da ideologia no debate político, em contraponto com a ascensão da avaliação ética das decisões. Passa a importar menos a substância das decisões, mas a forma das mesmas e quem a toma.

Efetivamente, poderíamos falar de uma verdadeira ideologia da transparência que hoje vem em substituição de um princípio de publicidade, de um exercício do debate público, que tem cada vez mais dificuldade em ser exercido”, afirma a autora, citando, mais à frente, Pierre Rosanvallon: “A nova utopia da transparência torna-se, deste modo, o próprio motor do desencanto que ela pretendia conjurar”.

A estratégia é clara: ataca-se a seriedade e a ética dos decisores, parte-se da dúvida para a exigência de uma transparência exibicionista, e, à mais pequena questão, instala-se o descrédito, mesmo que a obra e o legado sejam inatacáveis. O foco é o ethos, explorando-se o pathos e abandonando o logos.

De tudo isto se fará 2024/2025. Parte é rotina, e já sabemos ao que vamos e com o que contamos. Outra é novidade e sinal dos tempos, obrigando-nos a atenção redobrada, sem desviar o foco da ação. A que verdadeiramente transforma a vida dos cidadãos.

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