Da estratégia

Noção que entendemos como uma concebida intenção de actuação com um objectivo. Propósito futuro esse que pode ser único ou principal, consoante,

neste derradeiro, nele se congreguem outros que o integrem, ou lhe sejam atinentes. Definição que, portanto, se levada a cabo, aponta para a concretização dum querido resultado a produzir-se num devir mais ou menos próximo. E sem mais filosofices que aqui não cabem, vamos entrosá-la com o planeamento político, porque este não é mais do que uma estratégia sobre uma realidade que está e a que se quer incutir a sua evolução, analisando e propondo os meios considerados convenientes para aquela se desenrolar no sentido desejado.

Colocado o ponto final no capítulo antecedente, prossigamos com o planeamento. E neste com a denúncia da enorme importância que tem para qualquer sociedade, por consistir na antevisão do seu perspectivado porvir. Isto a tal ponto que sói, sempre e no seu significativo amplo, estar estatuído nas leis fundamentais, quer estabelecendo objectivos primordiais globais, quer atribuindo competências próprias para o desenvolvimento deles a sectores da organização do poder político. Atribuição esta que, por cá, é repartida pelo Governo, Regiões Autónomas, Regiões e Municípios (similar, assim, com escassíssimas excepções e algumas particularidades, ao que existe por toda a UE).
Importa aqui salientar que a Constituição de 1976 (nascida duma Assembleia integrada por capacitados jurisconsultos e juristas com amplos conhecimentos de direito comparado), instituiu regiões plano que, pronto, foram decapitadas para regiões administrativas; como até, posteriormente, mesmo assim e por velado intento de não redução do poder central lisboeta, se suspendeu a sua implementação.

Nesse impasse nos encontramos. No entanto e para uma sociedade que se diz, e se presume, democrática, a carência desse escalão intermédio de planeamento fenece-lhe a efectiva
legitimidade representativa para muitas, e importantes, decisões que afectam a vida das populações de dilatados territórios (já que as CCRD’s e anteriores CCR’s não têm esse suporte; sem esquecer que os distritos, divisão administrativa que inexiste na Constituição da República e que foi mantida transitoriamente até à criação das regiões, continuou, e continua, a favorecer determinadas cidades, dando-lhes vantagens e, assim, criando desigualdades prejudiciais para outras e que, por isso aquelas e para além de tacitamente ilegais, de certa maneira são imorais).

Antes de se avançar mais, parece útil uma visita ao significado da democracia (ou, na descrição expressamente consignada na já citada lei fundamental, de que ela se baseia na “vontade popular”, na “soberania popular” que “reside no povo”), para que não se suscitem quaisquer dúvidas sobre a imperiosidade de auscultação. É que é essa característica que a
distingue de um qualquer regime totalitário. Isto porque na democracia é suposta a participação de todos nas decisões. Só que, como é evidente e com a crescente grandeza populacional das sociedades, mormente as actuais e a complexidade quase infinda daquelas decisões que competem às respectivas organizações do poder político, torna-se de um entender imediato que a participação directa é impraticável. E que, assim, tem de ser substituída por delegações em alguns que, em nome de todos, as têm que tomar. Simplesmente, como será intuitivo, essa, se querida, indirecta participação, para tender ao espírito democrático, deve resultar da maior e mais exequível proximidade aos delegantes. Daí a necessidade, mínima até, dos já apontados escalões central e locais (no primeiro e por delegação da Assembleia da República, estabelecem-se as grandes definições políticas e as de interesse geral; nos segundos, de acordo com as atribuições e competências que lhes estejam atribuídas, definem-se, com as especificidades de cada território, as orientações e projectos que aí se entendem dever ser levados a cabo, subordinando as aos princípios fixados pelo primeiro e por sua vez, se for esse o caso, coordenando os dos ainda mais fraccionados). Escalões locais que, por o antes escrito, deveriam, e teriam, de ter representatividade directa, para, assim, se poder afirmar que correspondem à vontade popular. O que, como sabemos, não acontece quanto ao intermédio das regiões. Situação agravada pela manutenção dos arbitrários distritos nascidos pelos meados do século XIX e que, de certa maneira, vieram substituir as anteriores comarcas, então divisões administrativas (que não só judiciais).

Importa também lembrar que, entretanto, foram criadas as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como 23 CIM’s, entre as quais as do Vale do Ave e a do Vale do Cávado. Donde, mais uma vez, a representação directa está excluída e se processa através de uma muito vaga, e diluída, legitimação orgânica e sem, aliás, qualquer controle. De notar, entretanto, que essas duas comunidades intermunicipais têm por base as respectivas bacias hidrográficas; bacias a que corresponde, natural e geralmente, uma unidade de planeamento territorial. 

Lembrar igualmente que, até àqueles meados do século XIX, a então Província de Entre Douro e Minho se dividia em 5 comarcas, a saber: a de Valença do Minho, a de Viana da Foz do Lima, a de Barcelos, a de Guimarães e a do Porto (de fora a ouvidoria de Braga, que abrangia a cidade e 8 coutos). E que a comarca de Guimarães era extensíssima e abrangia variadíssimos concelhos que foram integrados nos distritos do Porto, Braga e Vila Real.

De tudo o exposto ressalta que, ao presente, o nosso planeamento territorial à escala intermédia, carece de uma verdadeira legitimação democrática e que, inclusivamente,
existindo, como existe, não se apercebe bem a sua proveniência e quais os seus dissimulados objectivos, originando, portanto, um procedimento opaco e de difícil apreensão para muitos dos que a ele venham a estar sujeitos, mas para o qual ficaram sem voz na matéria. O que é certo é que, no que a nós vimaranenses nos concerne, desde há dezenas de anos para cá, o município e sobretudo a cidade têm vindo a perder peso no contexto dum novo espaço centrado em Braga e, também logo e portanto, no nacional. E talvez até se possa afirmar que essa estratégia não é recente, pois pode advir dos anos oitenta do século passado e das Linhas Estratégicas que, por essa altura, a CCRN defendia.
Mais, a CIM do Ave amancebou-se com a do Cávado, para formar um extravagante “Quadrilátero Urbano”, que prenuncia, ou pode parecê-lo, o embrião duma pretendida área metropolitana em gestação. Área metropolitana que, por índole tem o seu fulcro numa urbe central a que são adstritas as subalternizadas (por vezes cognominadas cidades dormitórios). E nas evidências que a visão diária do terreno nos apresenta, a conurbação recente e crescente de Braga, não só por iniciativa própria, mas e também, bafejada de cima, bem como os constantes, e desiguais, benefícios outorgados, mormente nas áreas do ensino superior (que nada tem a ver com o determinado na década de setenta e cujo incumprimento levou à demissão do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral da Comissão Instaladora da UM), da saúde e da justiça, são, sem qualquer chauvinismo, um bom motivo de reflexão.

Assim e para fechar, na memória da manifestação de que resultou a Unidade Vimaranense, crê-se na necessidade duma informação sobre os fundamentos motivadores desse conjunto de práticas diferenciadoras que parecem consubstanciar-se no já referido Quadrilátero. E já agora da imaginada apatia de Santa Clara.

Fundevila, 25 de Maio de 2024


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