Todos iguais na diferença individual

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Título que parece enunciar uma verdade de Monsieur de La Palisse, mas que não a é objectivamente, porque a diversidade da vida tem muito que se lhe diga e, por isso,

aspiram-se nela (nas quase infindas existências vivenciáveis) realidades distintas e alcançáveis através de diferentes modelos opcionais.
Ora, ab ovo, somos todos iguais (grandes, pigmeus, de díspar cor de pele, cabelo e olhos ou, ainda, com outras características morfológicas particulares a certas raças ou etnias), ou seja: animais mamíferos terrestres da subespécie homo sapiens sapiens.

Certificada essa igualdade classificativa, acontece que na Europa e pelo menos desde meados do século XIX (sobretudo com a divulgação da obra Origin of Species by Means Natural Selection or ...), passou a poder perceber-se que as disparidades atrás sumariamente apontadas tinham tido a sua origem no decurso da milenar caminhada deste sapiens. E teriam a sua primeira causa nas singularidades físicas dos espaços do planeta em que os seus múltiplos decursos se desenrolaram e daí, portanto e com alguma fiabilidade, o poder concluir-se que esses distintos seus habitats (no absoluto de tudo o que neles convergia em cada momento, incluindo o fluir da espécie) geraram as raças, ou etnias mais restritas dentro delas. Assim e duma formulada origem comum africana, os muitos grupos que dela partiram foram avançando e estendendo-se por toda a crosta terrestre, para depois se irem diferenciando morfologicamente.


Simultaneamente convém, sempre, não postergar que o ser humano é eminentemente colectivo; um animal gregário incapaz de sobreviver por si só. E que as alterações morfológicas processadas ao longo da sua respectiva jornada, comuns a toda a espécie, foram-no dotando de capacidades e apetrechos que potenciaram a sua evolução até aos diferentes patamares actuais, que o alcandoram à cúpula da biosfera. A tal ponto que intervém sobre ela, transforma-a e pode estar a engendrar uma nova espécie baseada na IA e robótica.
Depois, saltando da evolução antes descrita para aquela outra atrás muito sinteticamente indiciada, mas que a acompanhou a par e passo e representa um aporte insofismável, porventura mais significativo para a perspectiva que se seguirá, entramos na cultura que os diversos grupos, e posteriores sociedades, foram adquirindo ao longo dos seus percursos. Aí, porém, com uma obtenção de conhecimentos e tecnologias muito dissemelhante entre eles, e elas, de que resultaram níveis de desenvolvimento assaz divergentes e que, moldando os respectivos integrantes de cada um deles, delas, os foi diferenciando também uns dos outros. Num sentido que permite falar em distintas culturas singulares coexistentes lateralmente, ou, nelas, em vários degraus e até, globalizando-as, em civilizações. Assim e sem se ser taxativo, podemos referirmo-nos à cultura ocidental, à europeia, à do país, à da região, à local, à familiar e, no extremo, à simplesmente individual.
Tudo isto para mostrar a diversidade verificável entre pessoas e nos conjuntos gregários humanos.


Convém porém salientar que, de pessoa para pessoa e dentro de cada um desses conjuntos, a identidade não é homogénea e persistem nelas, e neles, diversas matizes, muitas vezes conflituantes e de difícil conciliação. E são muitas as razões dessas divergências, desde históricas a sociais, desde a capacidade física à intelectual (nível de habilitação) e por aí fora. Mas que autorizam a, no entanto, estabelecer consensos volitivos quantitativamente significativos, que admitem subconjuntos distinguíveis.
Concluídos nesta resenha e derivando, cremos poder dizer que todo o ser humano aspira a uma “boa vida”, isto é, que esta seja longa, saudável e feliz (conceito que aqui compreende a concretização efectiva de todas as suas apetências). Ora do indivíduo ao grupo, sociedade ou até conjuntos destas, essa base crida ecuménica e na sua relatividade espaço-temporal, integra múltiplas e diversas concepções (como poderá deduzir-se da simples comparação de que o conceito de uma “boa vida” não deve ser o mesmo para Francisco, Papa ou para Cristiano Ronaldo; para Maria Gil ou para Cristina Ferreira; para uma sociedade católica ou para uma muçulmana; para um dinamarquês ou para um birmanês). Singularização que, todavia e como se disse, admite tendências e aproximações congregáveis.


Dito isto e juntando as pontas do já escrito, do indivíduo aos colectivos em que ele, animal social, se concretiza, deve apontar-se que são estes e não ele, quem pode proporcionar-lhe os contextos para essa “boa vida”. É que é o concreto modelo social em que se insere que lhe faculta as condições essenciais permissivas do poder realizar-se a contento. Daí, do concreto modelo social, a queda imediata na politikós, esse conjunto de regras para ordenamento funcional da polis grega; a, hoje, política.
Eis-nos pois desembarcados nesse “instrumento” definidor da vida social, a quem estabelece objectivos e formas de os concretizar, bem como posteriores implementações e exercitações. É esse conjunto de concepções, sua estruturação e funcionamento que normalizam a vivência social e facultam uma sua permanência sustentável, ainda que evolutiva. Na evidência que ele, esse “instrumento”, está apenas para servir e não tem qualquer outra justificação que não essa. E consubstancia-se, no presente mais corrente, por o poder (direcção e organização) lhe ser delegado por um conjunto maioritário dos membros da respectiva sociedade.


Mas voltemos à “boa vida”. Esse conceito que, no limite de integral satisfação das apetências individuais não é susceptível de acontecer em parte alguma (não lugar; utopia), no entanto e na relatividade da sua configuração, é a promessa primária de qualquer formulação política. A esta compete prometê-la (dentro da concepção viável que dela apresenta), bem como as etapas que se propõe percorrer para alcançá-la. E como as divergências antes mencionadas sobrelevam neste particular, as diversas visões possíveis levam a propostas distintas e à subsequente existência de partidos políticos ou correntes de opinião autónomas deles. Está, pois, traçado o campo da intervenção política. E nele, dentre as muitas facetas consideráveis, uma que assume particular relevância nos tempos que correm, é a da dicotomia entre o privilégio individual e subsistência da desigualdade, ou a da tendência para uma progressiva igualdade cidadã. Sem espaço para detalhar mais estas duas direcções, dir-se-á, apenas que, na primeira promove-se a “boa vida” para alguns, no desleixo de todos os restantes (em que se incluem os externos a essa sociedade ou sociedades, senão mesmo, quanto a estes e muitas vezes, uma sua inferioridade desprezível); na segunda, tende-se a ir atenuando as desigualdades, sabendo que Roma e Pavia não se fizeram num dia.


No aperto do espaço, entender-se-á portanto que, numa crida democracia quase que só exercitável através do voto em eleições (a proximidade interventiva é um mito cada vez mais longínquo), o que nestas é curial é, sem qualquer dúvida, o modelo político proposto. Os diversos projectos que prometem ao eleitor um futuro porque pode optar. O mais é poeira que, desorientadora, é utilizada para o manipular em função de interesses ocultos. Para lhe fazer esquecer ao Zé Povinho, ou privá-lo de tentar saber, o que verdadeiramente está em jogo.
Com eleições legislativas à porta, o panorama que se nos apresenta é o que ultimamente se tem vindo a refinar: o de intencionada personalização. E se é certo que as pessoas não são completamente indiferentes, o que verdadeiramente releva são os projectos políticos, pois são eles que a Assembleia da República, em representação directa para tal matéria, e única, por maioria, adopta, aprova, fiscaliza e de que pode desconfiar ou até censurar.
O mais é bastante supérfluo e um deliberado desvio ao exercício da democracia.

Fundevila,
13 de Dezembro de 2023


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