O OCIDENTE
Das múltiplas e distintas ramificações do sapiens sapiens neste continente tão irregular e de bordos tão recortados que, pelo séc. XV, se estendia do Estreito de Bering ao Cabo da Roca,
do Cabo Chekyuskin ao Cabo da Boa Esperança e provindos da sua margem atlântica centrada à volta do paralelo 39 N, navegadores foram rumando ao oceano com intuitos exploradores e expansionistas.
Aí, verdadeiramente, começou a colonização europeia.
Assim e no tempo que se seguiu àqueles primeiros, os mesmos portugueses e espanhóis, depois holandeses (Países Baixos), ingleses e franceses (descuidando-se do alemão e do belga, por a sua muito ulterior e curta verificação) foram-se estendendo por esses oceanos fora. E dos dois lados do Atlântico ao Índico, ao Pacífico, os reinos desses povos europeus foram estabelecendo relações aonde existiam gentes capacitadas para elas e, dentro das suas possibilidades, comerciando e assenhoreando-se do que conseguiam apoderar-se. Depois, com o andar dos tempos, a influência desses reinos concentrou-se: a dos portugueses em África, Índia e Brasil; a dos espanhóis na América Central e Sul, Caribe e Filipinas; a dos holandeses, na América do Norte, temporariamente no Brasil, na África do Sul, Índia e no sudeste Asiático; a dos ingleses e numa sua primeira fase, na América do Norte, África e Índia, para, posteriormente e numa segunda se estenderem praticamente a todo o globo, abarcando, no máximo dessa sua expansão, quase um quarto da sua crosta terrestre e da população mundial; e a francesa, inicialmente e numa também primeira fase, na América do Norte, Caribe, África e Índia, para, depois, se estender também um pouco por todo o lado, do Caribe, ao norte de África, parte substancial desta, Indochina e Pacífico.
Entretanto e já no século XVIII, com acentuada continuação no XIX (quando já ecoavam vagidos de independência por algumas bandas e como resultado de guerras entre os atrás três derradeiros colonizadores), o poderio britânico foi absorvendo territórios destes últimos e crescendo, constituindo aquilo que foi o Império Britânico. Como e a partir da 1ª Grande Guerra, se verificou com o renascido francês.
Quadro sumariamente descrito que mostra que durante mais de quatro séculos, esses reinos e depois países, se locupletaram, ainda que em grandezas visceralmente diferentes, com o que puderam extorquir daqueles territórios e suas gentes. Circunstância que transportou para as respectivas metrópoles riquezas incomensuráveis e que, subsequentemente, como regra, aceleraram a evolução material das respectivas sociedades (e a das europeias que se entrosavam com elas). Aceleração desde logo impulsionada pela gradual exigência de maiores saberes objectivos e técnicos, sobretudo aperfeiçoamentos náuticos, ou de armamento e da organização comercial. E que, na sua espiral progressiva, nos conduziu ao desabrochar do Antropoceno (o do pós James Watt).
Acontece entretanto que, pelos fins do século XIX, apareceu à escala mundial um interlocutor colonial não europeu (descurado o localizado japonês): os Estados Unidos da América. Este, depois das guerras mexicana-americana, das bananas, da hispano-americana (na sequência da aplicação do princípio do Destino Manifesto e da doutrina Monroe), foi desvitalizando o colonialismo britânico. O que mais se veio a acentuar com desenvolvimento daquela doutrina por Roosevelt e anos volvidos, no após as duas Grandes Guerras, com a teoria da segurança nacional. Teoria que colocou o mundo perante aquilo que é comum denominar-se como imperialismo americano. Gerador, este e desde aí, de intervenções militares directas em dezenas de países e do direito (???) de interferência, à escala planetária, em tudo que pudesse, ou possa, afectar quaisquer seus interesses, ainda que de forma mais ou menos lateral e difusa.
De salientar,porém, que o Império Britânico e por mais de um século foi o farol do mundo; o país que o dominava militar e comercialmente.
Entretanto, também, mercê de circunstâncias diversificadas que aqui não cabe abordar, a colonização na sua forma de ocupação tinha-se tornado pouco praticável, obsoleta mesmo e transpôs-se para outras formas de poder que se conceitualizam no neocolonialismo. Tanto mais que os movimentos independentistas tinham-se vindo a incrementar, vencendo e transformando-se em novos países, com aspirações a uma autonomia cada vez mais efectiva e tendente à defesa dos próprios interesses.
É neste quadro que surge aquilo que é tido como o Ocidente. Isto é o conjunto dos antigos países colonizadores, os europeus a eles agregados, alguns antigos colonizados (Canadá, Austrália, Nova Zelândia) e outros ainda deles dependentes. Dependências últimas estas que se escalonam em vários níveis, que vão do comercial ao militar, numa panóplia individualizável caso a caso e segundo a relevância que lhe é atribuída pelo dito princípio da segurança nacional. Ou seja, no seu todo não completamente homogéneo e liderado pelo Tio Sam, esse conjunto de países (ou será de elites?) constitui uma parte abrasadora do governo do mundo e permanece imbuído do espírito colonizador sobre a forma neocolonial; bem como e ainda de certa maneira, da diplomacia da canhoneira (já não restrita à componente militar, mas aberta quaisquer áreas em que possa ser utilizada com proveito). Ocidente esse que se arroga a prerrogativas que, no entanto, não autoriza nem concede aos restantes.
Convém ainda lembrar que com o fim do domínio ocupacional sobreveio, mormente a partir da 1ª Grande Guerra, a criação aleatória, e desenhada pela a batuta dos interesses ocidentais, de imensos novos países, sobretudo no Médio Oriente e África. Criações essas, as mais das vezes, a régua e esquadro e sem para isso se ter em conta as realidades étnicas, geográficas ou, sequer, o concreto das estruturas organizacionais pré-existentes; ou até e ainda de criadas ilusões (significativo o desencanto de T. E. Lawrence, o exortado pelo cinema Lawrence da Arábia). E o resultado dessa criatividade está bem à vista.
Entretanto, também, essas sociedades não ocidentais foram progredindo socialmente, umas muito mais que outras, avançando rapidamente no processo da industrialização, adquirindo conhecimentos científicos e tecnológicos, estruturando-se organicamente e assimilando, à sua maneira, os direitos humanos fundamentais da liberdade e da igualdade, que, a ambos eles, aspiram a verem-lhes reconhecidos. O que, logicamente, põe em crise os privilégios ocidentais, que, assim, têm vindo a desvanecer-se. Nossos privilégios que se fundam numa preponderância científica e tecnológica, económica, financeira e, claro, militar.
Atente-se, porém, que esse enfraquecer não corresponde a uma qualquer nosso retrocesso, mas, antes e apenas, à progressiva diminuição de anteriores disparidades. Desigualdades que, assim, tendem para um nivelamento com esses países tidos como emergentes e que, ao ganharem dimensão mundial, aspiram a um estatuto de plena parceria. Só que não se tem aceitado essa nova realidade, previsível aliás e enfeudados que estamos a uma simplicista dialética dicotómica de branco/preto, insistimos num mandato não outorgado e com modos, perdoe-se a incorrecta violência da expressão, de uma arrogância prepotente. Esquecendo, entretanto, que o nosso modelo não é superior em direitos aos outros e que o presente impõe uma convivência de solidária harmonia global que aporte paz, segurança e a esperança dum futuro ainda mais risonho.
Ora neste contexto que conta e com todos os problemas planetários que estão em cima da mesa, pode perguntar-se se é esta política de continuado e agressivo confronto que, malgrado as manipulações suas sustentadoras, as populações ocidentais, por elas, realmente querem?
Fundevila, 15 de Novembro de 2023