A Região

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Menosprezando o rigor que um estudo comparado exigiria e, destarte, num falconídeo vol d’oiseau picado (desculpe-se o galicismo, mas a expressão

tem o significado preciso), sobrevoe-se o que por essa Europa acontece e, em muitos casos, já com longevas barbas brancas.
Para situar e sem nos prendermos com ancestralidades que nos trouxeram ao presente, reparar-se-á que a estrutura organizativa dos diversos Estados europeus, em termos democráticos e administrativos, assenta em distintos patamares hierárquicos. No nosso caso e como está previsto desde a Constituição de 1976, em quatro: o central, o local regional (que continua ausente), o municipal e o das freguesias. Deixemos de lado as regiões autónomas, por totalmente implementadas.

Dito isto e porque se tem tentado persistentemente silenciar a componente democrática (pode-se dizer mesmo e poucos anos volvidos sobre a sua instituição, violentamente castrada, numa postura que se tem vindo a agravar como a empiria nos indica e cujo contágio se tem estendido ao exercício de outros órgãos, com uma personalização crescente e que aponta para um paulatino retrocesso ao Código Administrativo de 1939; postura que igualmente é a geradora da trapalhada descentralizadora a que se vem assistindo), é cada vez mais premente realçar esse essencial alicerce de um crido “ ... Estado de direito democrático, ... baseado na soberania popular ...”.


Nesse sentido e continuando a voar picado, evoca-se Aristóteles (384-322 a. C.) que, já sensível ao dilema de um igual direito de intervenção do cidadão e da sua participação, na sua Política e reportando-se à dimensão ideal da polis, argumentava que ela devia ser suficientemente grande para poder proporcionar o maior bem estar possível aos seus habitantes, mas não tão grande que limitasse a relação de vizinhança conhecedora que se deveria manter e estabelecer entre eles. Princípio que, numa vulgata contemporânea e dada a disparidade dimensional das organizações a que agora se aplica, aconselha a que a democracia representativa, sustentáculo dos estados europeus e da União, deve ser o mais contígua possível. Situação que, portanto, pouco tem que ver com a da pretensa realidade ocorrente em Atenas, por aí se crer verificar a intervenção directa, ainda que limitada aos cidadãos. Mas que se torna necessária, o que é facilmente perceptível, quando as organizações políticas englobam milhões de cidadãos. É que, nesses casos, razões da praxis impossibilitam a intervenção directa, ou restringem-na (referendos), por o que se foram criando soluções de delegação de direitos: de representados em representante. E quanto maior é o número dos primeiros para eleger o segundo, quanto mais se concentram neste competências centralizadas, mais aquela desejável proximidade se desvanece e tende a assumir-se como uma carta branca que lhe é atribuída, dada a vastidão polivalente das decisões em que acaba por intervir (numa, assim, atribuição de plenos poderes de remotíssimo escrutínio). Daí os sucessivos degraus de representatividade como forma de tentar viabilizar, e conciliar, o direito de cidadania com o seu exercício e, ao mesmo tempo, entregar a governação, em cada um daqueles, à proximidade de quem está nesse espaço e dele é comparte. É que a democracia pressupõe participação e não junção do poder nuns quantos que, as mais das vezes, longínquos e desconectados, decidem subjectivamente o que a todos compete. E é esse desfasamento pela centralização excessiva, crê-se, uma das principais causas do estado de desmotivação a que se assiste.


Assente isto, foquemos outro ângulo de capacitação.
Os constituintes de 1976 (com exclusão do CDS), para estatuírem a orgânica que vimos invocando, atentaram no modelo sueco que, por razões demográficas, físicas e até de aproveitamento do existente, parecia o mais adaptável à nossa realidade. E que, por lá, tão bons resultados tinha dado, como bem se sabe e é facilmente constatável. Assim, atribuíram competência de planeamento à Região, que nasceu como região plano para o espaço que a integrasse. Que quer isto dizer? Que passariam a haver três níveis de planeamento: o central, o regional e o municipal. E que à região, definida como um espaço homogéneo e justificativo de um planeamento próprio, caberia delinear o seu futuro, projectando o seu desenvolvimento global. Isto, claro, em subordinação aos planos nacionais aprovados pela Assembleia da República e, evidentemente, sob coordenação central. As regiões passariam assim a ter os seus próprios planos, onde caberiam todos os municipais.


Ademais, numa concepção crida democrática, o que pareceria correcto é que, de acordo com as linhas programáticas do Governo, os municípios, dentro das suas atribuições e competências, definissem a sua visão de futuro e que, aprovados os seus PDMs, eles servissem de base ao plano regional, que, por sua vez, definiria a sua e, neste contexto de baixo para cima, surgissem os planos nacionais, decisores primários e de certo modo congregadores da aspiração popular.
Aqui chegados, um derradeiro acrescento.
O de que, inicialmente, os órgãos da Região, como os do Município, eram a assembleia, o executivo e o consultivo. Nela e diferente do município, só o primeiro é que era eleito directamente. Executivos que, em ambos, se estatuiu expressamente serem colegiais (menção que não acontece nas assembleias, o que dá para perceber, pela reconstituição do pensamento legislativo, a perversão com que frequentemente se depara nas câmaras e tende a institucionalizar-se em personalizações e menorizações). Sendo, ainda, que os consultivos integravam organizações da sociedade civil, num leque que tentava obter as diversas sensibilidades que poderiam contribuir para o enriquecimento da respectiva actividade política. Tudo segundo um esquema democrático de linear simplicidade, testado por outras bandas e em que os cidadãos efectivamente tinham voz.
Como é agora?


Por cá, desçamos da Penha.
Exemplos! O primeiro, o quadrilátero urbano. Quem o estudou, planeou, decidiu? Claro, a consulta pública; ou melhor o seu eufemismo, porque quando as decisões estão prontas, em prazos mais ou menos curtos, mostra-se o resultado final para morais pronunciamentos sobre o que já está e, provavelmente, só consente pequenas alterações de pormenor, nem sequer desejadas. Pode, entretanto, perguntar-se e porque não o natural de Guimarães, Famalicão, Santo Tirso e Vizela? Ou sequer, o de Guimarães, Póvoa do Lanhoso, Fafe e Vizela? Não faria mais sentido para Guimarães? E quais as razões que levaram a essa quadrilátera subdivisão regional? O que a justifica e qual a estratégia que lhe está por trás? O segundo e em sentido inverso, o que admite Guimarães a imiscuir-se em termos de mobilidade no PFN? E neste recorda-se o velho provérbio “sutor, ne ultra crepidam”?
Não seria melhor pôr a funcionar a democracia tal como foi, e de certa maneira ainda está, desenhada na Constituição?

Fundevila,
22 de Fevereiro de 2023


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