A eutanásia e a quaresma
1. Tal como num edifício, a estrutura se manifesta fundamental para assegurar a estabilidade e segu
rança ao longo da sua vida, também numa sociedade, os princípios e valores que a enformam são fundamentais e determinantes para garantir o seu funcionamento harmónico de justiça e paz de forma sólida e duradoura.
Compreende-se, pois, que quando se pretende destruir um modelo de sociedade se ataquem os seus princípios e valores. Que se tente fazer passar por natural e normal aquilo que a natureza assim não considera e condena.
Depois de num primeiro referendo, em junho de 1998, a maioria dos portugueses se ter pronunciado contra o aborto, em Outubro de 2006, a Assembleia da República aprovava, com os votos favoráveis do PS, Bloco de Esquerda, abstenção do PSD e o voto contra do PCP, verdes e CDS a realização de um segundo referendo, concretizado em Fevereiro de 2007, o qual não tendo carácter vinculativo pela fraca afluência às furnas, criou condições para que o Parlamento aprovasse, em Abril de 2007, a legalização do aborto até à 10ª. semana de gravidez.
Estava dado o primeiro passo contra um dos principais pilares da estrutura das sociedades, o direito à vida.
Agora, acabamos de assistir a mais um outro atentado à vida com a aprovação pelo Parlamento de um conjunto de projetos legislativos tendentes à legalização, em certas condições, da prática da eutanásia.
Fui ouvindo e lendo diferentes intervenções sobre este melindroso tema da vida nacional, cada um com mais ou menos profundidade sociológica, ética, filosófica e teológica.
A uma conclusão, porém, cheguei. Se é verdade que não me sinto com direito para obrigar os meus concidadãos a sujeitarem-se às consequências do meu pensamento sobre esta matéria, de que a vida é um dom de Deus, e que só a Ele cabe sobre ela decidir, é certo também que não reconheço autoridade a 126 deputados para impor a 10 milhões de portugueses o seu pensamento sobre esta melindrosa matéria, tendo em conta, sobretudo, que a generalidade dos seus programas eleitorais não incluíram qualquer alusão a este tema, donde, parece claro, que se pretendem nesta legislatura abordar o tema, não o deverão fazer sem prévia consulta popular através do referendo.
Este deveria ser o procedimento a adoptar pelos diferentes grupos parlamentares face à petição pública que brevemente chegará à Assembleia da República.
2. Hoje, dia 26, celebram os católicos de todo mundo a Quarta-feira de cinzas, o primeiro dia da Quaresma, período mais importante do ano litúrgico, tempo de conversão e reconciliação como preparação para o momento mais alto na vida dos cristãos, que é a Ressurreição de Jesus.
Será o dia em que nas celebrações, o sacerdote, aquando da imposição das cinzas, nos recorda as palavras do livro do Génesis quase sempre por nós esquecidas: “lembra-te homem que és pó da terra e à terra hás-de voltar”.
Também mais uma vez ouviremos a profecia de Joel apelando, em nome do Senhor, à conversão: ”convertei-vos a mim de todo coração com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos”.
Ouviremos ainda, na sexta-feira, as palavras de Isaías, sobre o verdadeiro jejum. “O jejum que me agrada não será antes este: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços da servidão, pôr em liberdade os oprimidos, destruir todos os jugos? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem-abrigo, levar roupa aos que não têm que vestir, e não voltar as costas ao teu semelhante?”
A prática da oração e do jejum, acompanhada da esmola, constituem a forma penitencial tradicional mais comum para o fortalecimento do espírito e para a aproximação a Deus. Foi esse o exemplo que nos apontou Jesus no seu retiro de quarenta dias no deserto.
Saibamos, uma vez mais, aproveitar este especial período de conversão interior para fortalecer o nosso espírito e assim podermos viver, com mais intensidade, a Páscoa da Ressurreição.
Guimarães, 25 de Fevereiro de 2020
António Monteiro de Castro