Pedro Guerreiro: «O apoio dos adeptos abanou comigo»

Há um grupo restrito de homens que em Guimarães ajudaram e ajudam a construir e solidificar a modalidade desportiva que desde sempre lhes é predilecta. Um desses homens é, incontornavelmente, Pedro Guerreiro, o actual Presidente da Secção de Basquetebol do Vitória.

Em entrevista ao DESPORTIVO de Guimarães, é esse homem feito de sonhos mas também de realismo que se dá a conhecer. Propomos-lhe uma breve viagem à temporada que conquistou definitivamente a simpatia e reconhecimento dos vitorianos, mas também ao futuro que Pedro Guerreiro quer ver assinalado por mais conquistas.

Parece ser unânime a opinião de que o Vitória fez uma época acima das expectativas iniciais. Enquanto líder da secção de basquetebol também comunga dessa opinião?
Não há dúvida que foi superior às expectativas. 

Porquê? No início da época o que é que projectava?
Não descer de divisão, ficar entre o 7º e 8º lugares, garantir a nossa continuidade na Liga. A equipa foi construída com base nessas ideias, mas a verdade é que ao fim de um mês de jogos e de treinos comecei a acreditar que íamos mais longe. 
Essa ideia inicial alicerçava-se essencialmente em quê? Era o início de uma fase de transição?
Tinha a ver com o facto de termos atletas jovens, que eu não conhecia. O Fernando Sá tinha mais noção do valor deles, mas havia essas reservas naturais. O projecto era novo, chamei-lhe o ano menos um. A ideia passava por ter atletas portugueses. Aliás, o meu sonho é ter uma equipa com 30% da Formação do Vitória, a que juntaria estes craques que temos que já vão à Selecção Nacional e, só se for preciso, estrangeiros.
É um projecto que tem em mente e que acha que pode ser concretizável?
Sim, mas com as condições de trabalho que temos para a Formação, será difícil. 
O que é que não funciona adequadamente nesse aspecto?
Na Formação, estamos a poupar ao nível do pagamento dos espaços, porque temos três escalões a treinar no mesmo pavilhão, com campos reduzidos. O problema da Formação do Vitória não estar no topo nacional prende-se sobretudo com isso, com a falta de condições de trabalho. Quantas menos horas os miúdos treinarem, menos sucesso temos. 
O problema é logístico e não de falta de recursos humanos?
A esse nível estamos muito bem servidos e os treinadores também são bons. O coordenador, que é de Ovar, tem feito um excelente trabalho e isso vê-se, por exemplo, através da equipa sénior feminina, constituída por antigas atletas da Formação do Vitória. Vê-se trabalho, gostaríamos de fazer o mesmo em tudo o que é basquetebol do clube, mas há poucas horas de treino.
Perde-se a qualidade natural dos atletas?
Ela acaba por não ser maior precisamente devido a esse constrangimento.
Que não impede que haja cada vez mais miúdos a quererem jogar basquetebol no Vitória?
O número tem crescido. Este ano já tivemos quase 50 no minibasquete, quando há dois anos tínhamos, no máximo, entre a 20 e 25. É o dobro... Este ano também começámos com o babybasquete, que abrange dos 6 anos para a frente. Já temos uma equipa e notamos que alguns miúdos têm jeito. 

Quando percebeu que a equipa sénior podia chegar mais longe, isso significava precisamente o quê?
Apercebi-me disso quando vi a postura da equipa na Supertaça, frente ao Benfica, no Algarve. Vi uma equipa jovem a trabalhar muito bem, com potencial e com futuro. Já renovámos com a maioria dos jogadores por um ano, mas até gostava de renovar com eles por dois ou três anos. É importante ter uma base, para que com tranquilidade o treinador possa trabalhar. Já conheço o Fernando Sá e sei que ele preza essa tranquilidade.
Os adeptos dizem que esta equipa era a imagem do clube, com garra e mística. Concorda?
Sim. Isso provou-se na reacção que eles tiveram no último jogo com o Benfica...
Do ponto de vista dos resultados não ficou defraudado, ou chegou a acreditar que era possível ter chegado um pouco mais longe?
No mínimo, gostaria de ter ganho um jogo da final. Estava com a esperança de que fosse o primeiro jogo em Lisboa - dava-me um enorme prazer - mas o Benfica tem dois ou três atletas que são doutro nível, de outro campeonato.
Custou-lhe ter entregue o título em casa?
Não custou porque eles não receberam título nenhum. Os adeptos do Vitória abafaram completamente isso. Eles receberam uma taça e medalhas, mas a festa foi nossa. Os vitorianos e vimaranenses viram que o trabalho foi bem feito, respeitaram o campeão nacional mas continuaram a fazer a sua festa. Somos vice-campeões e as pessoas aperceberam-se que havia uma diferença muito grande entre as duas equipas. 
Esse tributo dos adeptos à equipa foi o momento que o fez ter a certeza de que este projecto vale efectivamente a pena?
Foi reconhecido o nosso trabalho e esta época senti-me 100% realizado.
A forma como os adeptos reagiram abanou consigo do ponto de vista emocional?
Muito. Muito. Muito. Não estava à espera de tanto, mas foi muito bom.
O basquetebol já é hoje a segunda modalidade do clube?
Para mim foi sempre a primeira (risos). Não tenho dados. Nunca acompanhei muito o voleibol, fui ver alguns jogos mas acho que nem devemos comparar. Este é um clube só, desde o futebol à modalidade com menos atletas. Somos só Vitória e até é feio dividir. Devemos apoiar o clube num todo, isso sim.
Mas admite que há um crescendo de simpatia dos adeptos para com o basquetebol, sendo que a conquista de títulos é decisiva?
Nós crescemos antes mesmo de lutarmos por títulos. Esta época, antes mesmo dos play-offs, já tínhamos o dobro das assistências do ano passado. A grande surpresa foi a meia-final contra o Lusitânia dos Açores. Foi espectacular, foi quando senti que com o Benfica podíamos encher o pavilhão.
Na Taça chegou a alimentar a expectativa de revalidar o título?
Tivemos azar no sorteio. Infelizmente, saíu-nos o Benfica - ainda por cima fui eu a tirar o nome do nosso adversário... Ainda assim, claro que pensámos que podíamos ter revalidado esse troféu.
O Vitória já é o segundo clube do panorama do basquetebol nacional?
É muito prematuro dizer isso. Creio que podemos dizer que somos um dos quatro mais importantes. A exemplo do que acontece em quase todas as modalidades. 
E quando será possível ser o primeiro entre os melhores?
Vamos começar o ano zero. Estamos à espera que a quota da modalidade se comece a reflectir - neste momento está a ser utilizada para pagar as dívidas antigas das modalidades - e quando isso acontecer, poderemos ter um orçamento um pouco melhor.

A diferença para o Benfica na próxima época ainda vai ser muito grande?
Vai. Sem dúvida. Vai continuar igual, porque o facto de termos ido à final não significa que vamos prometer ser campeões na próxima época. Nunca podemos descurar essa hipótese, mas a diferença continuará a ser muita, porque o Benfica gasta dois milhões no basquetebol. Aliás, para fazer o que fez não seria necessário gastar tanto dinheiro. Espero que mostre o que vale na Liga Europeia.
Será difícil ganhar a Liga, mas repetir as conquistas da Taça ou do Troféu António Pratas, isso sim, é possível?
Sim, porque estamos dependentes de apenas um jogo. Eles podem fazer um jogo mau e nós um grande jogo.
Como é que está o relacionamento entre a secção e a cúpula directiva do clube?
Há um bom relacionamento e espero que continue. Aliás, espero que o Júlio Mendes não abandone o clube [a entrevista foi realizada antes da decisão do Presidente do Vitória de não avançar para as eleições na Liga], porque precisamos dele e da estabilidade. Podemos correr o risco de quem lidera não querer modalidades para o clube... Quando ajudei a fundar o BCG, a ideia era criar uma secção de basquetebol no Vitória, mas na altura Pimenta Machado não quis. Sabemos que o Vitória é fundamentalmente futebol e podemos correr esse risco de alguém no futuro acabar com este trabalho que as modalidades têm feito. 
O relacionamento com Júlio Mende é sobretudo de confiança, de cumprimento do que está estabelecido?
É precisamente isso. Cada um cumpre a sua parte.
A próxima época já está praticamente planeada no que diz respeito ao plantel?
Temos os atletas portugueses e os da Formação e agora vamos analisar a questão da contratação dos estrangeiros, mediante as verbas de que dispormos. Espero que sejam mais, que as pessoas acreditem mais no basquetebol, percebendo que é um projecto sério. Queremos ter uma equipa mais forte, com reforços para determinadas posições.
Esses reforços serão preferencialmente norte-americanos?
Eu não queria nenhum norte-americano, mas há determinados lugares que são muito específicos e eles, os americanos, acabam por ser mais económicos. Preferia europeus, devido às viagens e às papeladas que são precisas. Há vistos... há viagens que têm de ser pagas se não gostarmos deles... Esses pequenos valores, no final de uma época, fazem diferença.

Como é que se consegue ‘aguentar’ um treinador 9 anos?
É bom como treinador, é bom como homem e é bom como amigo. 
Não o trocava por treinador nenhum?
Não. Este projecto faz parte dele, falamos muito sobre todas as questões, há uma grande cumplicidade. Já lhe disse que qualquer dia tem de deixar de ser treinador e passar a ser dirigente, para eu ter um pouco de sossego.
António Lourenço, numa entrevista ao DESPORTIVO, disse que por ele Fernando Sá ficaria no Vitória os anos que quisesse. Para si também é assim?
Desde que ele queira e nós também. Mas sim, neste momento não há razões para mudar. Ninguém é insubstituível, se ele se portar mal vai embora como os outros, mas isso também se aplica a mim.

Está no basquetebol há muitos anos, mas esta experiência de liderar é diferente, tem sido gratificante? Dá muitas dores de cabeça?
Dá menos! Fui vice-presidente e nunca quis ser presidente. No tempo do BCG fui presidente, mas ao fim de dois meses desisti. Carolice e ser novo não funcionou muito bem na altura, porque cada um devia desempenhar as suas tarefas, mas a verdade é que elas ficavam por concretizar por parte dos outros. Não valia a pena ditar as minhas regras. O Lourenço voltou a ser presidente, há dois anos voltou a insistir comigo e, dessa feita, teve que ser. Mas torna-se mais fácil para mim, porque fui eu que fiz o orçamento, eu é que sei o que tenho de pagar e angariar os fundos. 
Não está arrependido da decisão que tomou?
Não, porque Guimarães e o Vitória não podem andar para trás neste processo. Ele tem de ter continuidade, com mais gente a ajudar, não ficando dependente de uma ou duas pessoas. Quando fui atleta do Francisco de Holanda sofri com isso, quando lá chegámos um dia e nos disseram para ir embora porque o basquetebol tinha acabado em Guimarães. Não pode ser assim, porque a modalidade já se afirmou e tem de começar a ter outro tipo de apoio, mais participação e mais diálogo, até com o próprio município.


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