Torre da Alfândega reabilitada mostra património escondido no Centro Histórico de Guimarães após obra "complexa de engenharia"
É a nova atracção monumental de Guimarães. Uma visita à Torre da Alfândega impõe-se para conhecer o interior da antiga muralha que ostenta a inscrição "Aqui Nasceu Portugal", sendo possível entrar num conjunto patrimonial que até há bem pouco tempo estava escondido. O terraço oferece ao olhar panorâmicas soberbas sobre a Cidade e a região.
Na cerimónia inaugural, realizada ontem à noite, o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte destacou "a obra muito subtil, muito bem conseguida", capaz de proporcionar "o prazer da descoberta quando se visita", ao referir-se à boa aplicação do financiamento comunitário que recebeu do Programa Operacional Regional do Norte 2020.
"É muito reconfortante testemunhar uma recuperação patrimonial exemplar, uma utilização de fundos europeus exemplar, com um resultado notável. Parabéns a Guimarães e a toda a equipa!", afirmou António Cunha, acrescentando: "Guimarães habituou-nos a mostrar como é que estas coisas são feitas nesta jóia que é o Centro Histórico requalificado, em que existem recantos como este que são absolutamente emblemáticos do modo como é possível fazer uma integração muito efectiva entre a preservação patrimonial e a criação de espaços para fruição pública por residentes e por turistas".
"Olhamos para um espaço que estava cheio de cicatrizes e essas cicatrizes estão moldadas de um modo muito interessante, quase como aqueles corpos humanos abertos, que nos deixam ver primeiro a pele, depois os músculos e os órgãos", comparou o responsável, ao sinalizar a possibilidade de apreciar alguns pormenores: "o modo como são explicitados aqueles merlões ou toda a força brutal daquela estrutura metálica, no centro da torre que entre outras coisas a segura, mas que também lhe dá um toque de modernidade muito bem integrado e que torna a visita obrigatória".
"Na dimensão turística, hoje é importante mostrar o património que temos, mas sermos capazes de contar histórias, narrativas, um turismo de qualidade procura isso. Temos aqui um espaço muito interessante para contar estórias, seja estórias da história, seja estórias da Cidade, seja estórias até de amor que o pôr do sol visto a partir daquela torre vai propiciar. Já disse ao Presidente da Câmara que isto não pode fechar às 18h00, porque os momentos principais são depois desse horário", referiu, sorrindo, concluindo: "é mais um exemplo que Guimarães nos dá de como o património pode e deve ser recuperado. Há recuperações que são difíceis e exigentes, mas isso Guimarães sabe fazer muito bem!".
Na cerimónia que decorreu na Rua do Anjo, junto à única entrada no edifício que está classificado como monumento nacional, onde a requalificação criou um espaço mais amplo, onde se vê o pano da muralha que estava escondida, o Presidente da Câmara agradeceu todas as equipas que nos últimos anos intervieram no processo de reabilitação. Domingos Bragança não ignorou a polémica que agitou discussões nos órgãos municipais. Aliás, no seu discurso, começou por agradecer "a intervenção cívica e política de alguns actores que tornaram possível também pelo seu combate a execução". "Esta obra tem uma narrativa que não foi desde o início calma e tranquila, porque se bem se lembram - na altura o vereador da CDU, José Torcato Ribeiro, foi uma das vozes que se levantou e bem, assim como outros intervenientes, recordo Miguel Bastos - o Torcato Ribeiro foi o rosto da posição de que a casa tinha sido adquirida ao proprietário e entretanto veio-se a levantar possibilidade, ainda hoje não sabemos se é bem assim, de que a torre estaria integrada nessa casa. O que é certo é que tudo se resolveu bem. E nessa altura de combate político há também uma pessoa incontornável que era vereador do executivo José Bastos. Nunca ninguém deixou de querer esta reabilitação. Toda a vereação quis que esta torre da alfândega fosse reabilitada", salientou o Presidente da Câmara, congratulando-se com o facto de ter sido possível "salvar este tecido de muralha, com a sua torre", que outrora integrava o sistema defensivo da Cidade "nesta elipse desde o Castelo, fazendo a protecção dos nossos antepassados". "A muralha teve uma importância crucial para a história e afirmação nacional de Guimarães", vincou, lembrando que existiam duas linhas de muralhas, a mais antiga circundava a zona alta da cidade, junto ao Castelo, cuja origem remontará ao final do séc. XII. No século seguinte, foi nos reinados de D. Afonso III e D. Dinis, que foi construída a segunda muralha de forma a proteger a vila baixa.
Durante o reinado de D. João I, no séc. XIV , esse rei tão amado pelos vimaranenses, a secção de muralha que fazia a divisão entre a vila alta e a vila baixa começou a ser destruída. A muralha possuía nove portas, pelas quais era permitido o acesso, manteve-se até ao séc. XVII, altura em que começou o processo de demolição.
"Os conteúdos museológicos estão a ser trabalhados e farão brevemente também parte deste percurso, permitindo perceber a importância das muralhas de Guimarães, com as suas torres, nos cinco séculos de história em que estiveram vivas", apontou o Presidente da Câmara, ao sublinhar o apoio da CCDRN, presidida por António Cunha cuja acção "eleva a cultura a um patamar de prioridade em toda a região Norte".
"É a única torre da antiga muralha que permaneceu até aos nossos dias na sua forma evidente, no contexto da estrutura defensiva de Guimarães", afirmou a arquitecta Margarida Morais
O projecto de arquitectura da requalificação da Torre da Alfândega foi desenvolvido na Divisão do Centro Histórico, pelos arquitectos Miguel Melo e Margarida Morais.
Numa breve intervenção que antecedeu a visita ao interior do monumento, a arquitecta alertou que "é a única torre da antiga muralha que permaneceu até aos nossos dias na sua forma evidente, no contexto da estrutura defensiva de Guimarães, daí a sua utilização pública destinada a núcleo expositivo e interpretativo das muralhas e torres defensivas". "É um edifício classificado como monumento nacional e como tal implicou a participação de áreas distintas -como a arquitectura, estabilidade, conservação e restauro, arqueologia - necessárias à conservação de um edifício desta natureza. O edifício estava profundamente degradado no seu interior e exterior, cheio de elementos dissonantes. Enquanto tínhamos uma fachada completamente visível, voltada para a Alameda de São Dâmaso, a fachada norte era um conjunto de elementos complicados, não era completamente visível qual era a sua fachada, porque existia um edifício que se acoplou à torre e se infiltrou e desenvolveu no interior da torre. Tínhamos elementos em pedra, blocos de betão, revestimentos em chapa, que não permitiam verificar exatamente como é que seria o seu encerramento na fachada norte", explicou, ao justificar a manutenção do elemento que constitui a entrada, "aproveitando o vão já existente". "Não existindo qualquer referência desta fachada, optou-se por um novo desenho, contemporâneo, que fizesse a articulação entre a muralha e esta nova fachada. No seu interior, à semelhança do que vemos na fachada sul em que conseguimos visualizar um paramento contínuo na sua totalidade, a intenção é que interiormente fosse possível visualizar cada paramento interior na sua globalidade. Executou-se uma estrutura autoportante, em ferro, através de um percurso em galeria, em que se conseguisse observar todo esse conteúdo. Este edifício remata num corpo em planta circular, distinto, em madeira, diferente da rigidez das paredes de granito e que conduz a um terraço onde se tem a vista sobre a Cidade e o Castelo com diferentes enquadramentos", continuou.
"Tivemos a sorte de quando se interviu no edifício de termos este espaço, antigamente ocupado por um edifício em ruínas, ainda só com paredes ao nível do rés-do-chão e conseguimos visualizar no tardoz que existia um pano da muralha, onde passava o adarve, em que se conseguiu tratar este espaço e dotá-lo ao domínio público, conferindo mais dignidade, podendo-se usufruir nesta vertente do pano da muralha, no acesso à torre, criando um espaço novo na Cidade", assinalou Margarida Morais.
O Director Municipal de Intervenção no Território, Ambiente e Ação Climática realçou "a complexidade da obra do ponto de vista da engenharia, da sua sustentabilidade". "A primeira empreitada lançada previa um conjunto de intervenções que se verificou que não era possível ter continuidade porque a obra tinha sido muito intervencionada ao longo dos séculos, através de construções de particulares, de criação de panos em tijolo, escadas em betão, não compagináveis com a reabilitação e refuncionalização da torre", contextualizou Joaquim Carvalho. "Desenvolveu-se um projecto e a obra iniciou-se, mas três meses depois verificou-se que após as demolições dos elementos dissonantes, percebeu-se que estava muito mais fragilizada, do que se perspectivou e que era possível prever, isso obrigou a que a obra fosse suspensa e nesse momento - a empresa Camacho Engenharia, colaborou com o Município no sentido de rescindir o contrato", prosseguiu.
"Reavaliou-se todo o projecto, esse tempo foi precioso para as intervenções quer na área da arquitectura, quer na área da estabilidade, porque tivemos muitas surpresas durante a execução. Quando se abriu um novo concurso para a obra, investimento de um milhão e 300 mil euros, sabe-se já exatamente o que se vai fazer. Não cumpriu escrupulosamente o prazo, porque era de muito difícil execução", realçou, parabenizando toda a equipa envolvida na execução. "É uma obra que permite conhecer património escondido, quer pelo edifício, quer pelas intervenções que descaracterizaram completamente o que aqui existia", concluiu.
Durante as Festas da Cidade e Gualterianas, a Torre da Alfândega estará aberta das 10h00 às 00h00, proporcionando a todos os visitantes uma oportunidade única de apreciar a nova perspetiva sobre a cidade.
A partir de terça-feira, a Torre da Alfândega terá um horário de funcionamento das 10h00 às 18h00, mantendo-se aberta para visita do público durante os próximos meses.
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