DISSE CHURCILL
“Uns mudam de partido em nome dos princípios,
outros mudam de princípios em nome do partido”
A afirmação do grande estadista com que abro contém em si duas realidades bem distintas e de oposta valoração ética. O que, se era detetável por ele nas já longínquas décadas de 40 e 50 do século passado, pode hoje detetar-se sem necessidade de intensa observação, bastando para tal um simples relance de olhos.
Considero natural o facto de a mudança de partido ter por fundamento o abandono, ou intolerável desvio, dos princípios que o partido arvorou e que levou a que alguém por isso mesmo a ele aderira, deixasse de se rever nessa pertença para se acolher a outro partido que entendesse representar com suficiência os princípios e ideais que professa.
Inaceitável, sim, e era isso que Churchill queria dizer quando afirmou o que ao início citei, é o facto de, em benefício do partido, alguém esquecer, abandonar ou mesmo postergar os seus próprios princípios. Quando esse abandono dos princípios, ou indiferença por eles se verte ao partido enquanto instituição, caberia aos militantes de princípios sólidos, na falta de outro partido a que entendessem dever acolher-se, deixarem de pertencer àquele a que inicialmente aderiram.
É evidente que não me refiro às indagações sobre a oportunidade, modo ou faseamento das práticas concretizadoras dos princípios, mas sim à substância dos próprios princípios, com o acolhimento de quem professe ideais que os contrariam, pois quando isso acontece são os próprios princípios que falecem.
Não era desta natureza o tema que previra para a minha crónica, mas a ele fui atraído pelo seguinte:
Ontem, como habitualmente faço, vi o programa “Visita Guiada”, do canal 2 da RTP, e o tema foi o Grémio Literário, seu nascimento, sua sede e história.
O programa, para além das imagens e das deixas da sua autora, a qualificadíssima Paula Moura Pinheiro, ao seu interlocutor, foi preenchida com belíssima, atraente e elucidativa exposição, e idênticas explicações do Professor David Justino, membro do Conselho Literário do Grémio.
Ao seu profundo conhecimento aliou um modo simultaneamente simples e eficaz de o transmitir, para mais com uma simpática coloquialidade e assinalável isenção.
David Justino é, também, vice-presidente da Comissão Política do PSD, foi deputado à Assembleia da República e Ministro da Educação e sempre registei o modo democraticamente correto das suas intervenções e das posições e medidas tomadas enquanto político, mesmo quando delas discordante, com o que granjeou – como vários outros da sua área política e partidária – o meu respeito.
Considero-o um democrata. Assim mesmo, sem adjetivos, por desnecessários
Ontem, revelou-me a faceta que acima referi, passando a merecer também a minha simpatia e acréscimo de consideração intelectual.
Porém, pelo que já disse, fica-me uma dúvida suscitada pelo tal dito de Churchill acerca dos partidos e dos princípios.
Como se sentirá uma pessoa com tais atributos num partido que sob a sua bandeira e para as mesmas lutas acolhe gente capaz de fazer juízos de valor baseados pura e simplesmente na raça, na nacionalidade, na sexualidade, no estrato social dos cidadãos e cidadãs?
Como se sentirá ela num partido que, por razões de interesse conjuntural, promove a apoia para liderar um município, quem admite (mais que isso, propugna) a instituição da medida penal de castração, inclusivamente a castração física – ou seja a amputação – desde que “o povo assim decida”, caso em que “os deputados têm de baixar as suas ideologias”, até porque a castração física é “mais barata” do que a castração química?
Por esse caminho, porque não arrancar os dentes a quem comete o crime de ofensas corporais ferrando a vítima? A perna a quem pontapeia, a mão a quem esmurra, a língua a quem insulta, as unhas a quem arranha, desde que o povo assim decida?
Ora, para que o povo assim decida é, em democracia, necessário que alguém tal proponha e seja a proposta aprovada. E, vê-se facilmente, há quem a tal se disponha e quem aceite a sua convergência partidária.
O que dirão os militantes de um partido que tenham como princípio o respeito pelas decisões judiciais regularmente tomadas, quando o seu partido se cala e olha para o lado perante a afirmação de líder de outro partido com o qual tem e admite ampliar convergências, o qual, para além de mentiroso compulsivo, como tem sido demonstrado pela comunicação social, é um difamador na praça pública como tal condenado pela Justiça, que propala repetidamente que não cumprirá integralmente a sentença que o condenou?
Para quem tem princípios e os tem como existentes no seu partido, uma tal quebra dos valores que deles deveriam emergir não constituirá, estou certo, um simples embaraço, mas antes fonte de repulsa, mesmo que eventualmente dolorosa, devendo ser o expressarem-na, obrigação mínima e elementar.
Não devem, porém, aqueles e outros desvios à seriedade política ser apresentados, o que tenho visto ser, perversa ou ingenuamente, feito até por quem não tenho por perverso e muito menos por ingénuo, como explicação para o aparecimento de líderes ou próceres partidários arautos de ideias humana e civilizacionalmente aberrantes.
É que, como Churchill também disse e poucas pessoas ignorarão que o fez, “a democracia é o pior regime político, com exceção de todos os outros”.
Por esta e muitas outras razões, não divido que em hipotético caso de necessidade de defesa da democracia, pela força das armas ou pela arma da palavra, eu e David Justino estaríamos na mesma trincheira. Não necessariamente lado a lado, mas na mesma trincheira pugnando pela mesma vitória.
Guimarães, 08 de junho de 2021
António Mota-Prego
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