Marcelo e o Respeito

A Presidência da República Portuguesa é um dos lugares mais importantes da democracia portuguesa. É-o mais no simbolismo da função do que no poder político

efetivo de quem a assegura.

Desde o 25 de Abril tivemos, apenas, 5 presidentes eleitos: Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco e Marcelo. Todos eles foram, sem exceção, reeleitos.
No difícil caldeirão em que a política se vai tornando, a Presidência da República assume uma constância e uma gravidade próprias. Todos eles, gostemos mais ou menos deste ou daquele, tiveram as condições políticas e a capacidade de serem reconhecidos e escolhidos pelos portugueses. Todos eles, imensamente diferentes uns dos outros, assumiram o cargo e dele fizeram aquilo que supuseram ser melhor para o país. Não me envergonho de nenhum deles, ao contrário de alguns primeiros-ministros que, com mais poder, deslustraram quem os elegeu. Sócrates é esse exemplo claro e límpido de uma péssima escolha por parte dos portugueses. Sócrates exerceu um cargo importante e exigente de forma absolutamente deplorável para connosco, para com o país.

Quando referi os 5 presidentes da República nomeei-os, na maioria, pelos apelidos. Há exceção de um: Marcelo, que referi, como qualquer um de nós faria, pelo nome próprio.

Marcelo é assim mesmo, define-se pelo nome. É único e (infelizmente) irrepetível.
Já por uma ou outra vez referi, nestas minhas crónicas, o meu fascínio por Marcelo. Das duas vezes que com ele estive em condições de trocar algumas palavras, antes dele ser eleito para o cargo que atualmente exerce, fiquei sempre como um fã boquiaberto ao escutar o seu ídolo. Gosto mesmo dele, sempre gostei. A sua inteligência, o humor que dela decorre, a sua rapidez, a sua eterna traquinice de criança, são absolutamente fascinantes e desconstroem a imagem de que para exercer altos cargos da nação se tem de ser grave e aborrecido. Soares também nunca o foi.
Nestes dias de profunda revolução mediática dos “casos e casinhos” que se transformam, progressivamente, em “casos e casões”, escuto o presidente sempre com a atenção de um detetive, pois há sempre qualquer coisa nas entrelinhas que nos explica a afirmação mais importante. Sobre Medina percebi que ele não elogiou o eventual esclarecimento, mas a disponibilidade para esclarecer. Se esclarece ou não, isso já é outra conversa, mas Marcelo sabe, como eu julgo saber, que se Medina cai o Governo cai e a coisa vai ficar mais preta do que o que já está.
Quem dizia que a vitória retumbante de Costa iria transformar Marcelo numa figura decorativa, enganou-se redondamente. A sua influência política, o seu escrutínio, a pressão para que haja a decência necessária ao exercício de um cargo público é avassaladora. A sua conexão com os portugueses é o combustível necessário a esse desígnio. E ela continua forte.
O problema de Marcelo é a sua irresistível tentação, devido à traquinice que lhe é tão particular, em tornar-se uma caricatura dele mesmo. Mas, em Murça, há não muito tempo, houve alguém que lhe puxou as orelhas bem puxadas, confrontando-o com a inação clara do governo na mitigação atempada dos fogos florestais, depois do que já vivemos. A caricatura ficou embaraçada, mas o Marcelo, entretanto, ressurgiu.

Há profissionais da comunicação que gastam horas para arranjarem a frase certa, as palavras que mobilizem alguém a acreditar num desígnio, a votar numa proposta. Os professores, de forma mais ou menos caótica, mas de forma, sobretudo, sentida, resumiram a sua luta a uma simples palavra: RESPEITO.
Não me lembro de algo ser assim tão certeiro e traduzir de forma tão apropriada os diversos “sentires”, preocupações e o desejo mais profundo da generalidade dos seus profissionais.
E o respeito que se clama, que eu clamo igualmente, não é apenas o respeito pelo trabalho de cada um, pelas condições mínimas para o exercício pleno e motivador da profissão, mas o respeito pelo futuro. Está já lançado o fogo que vai destruir a escola pública para sempre se nada, entretanto, for feito. E é a escola pública que eu frequentei, que as minhas filhas frequentaram, e uma ainda frequenta, a ferramenta indispensável para que Portugal se possa desenvolver de forma justa e equilibrada, sem que seja necessário ter dinheiro para que se tenha acesso a uma educação de qualidade. Se a aproveitamos ou não, isso é outra conversa, mas todos terem essa possibilidade é uma das maiores riquezas da nossa sociedade. E não vai levar muito tempo para que, se nada for feito para reconhecer e dignificar a profissão, vai acabar por acontecer. Esse Pedrógão Educacional está em curso, e os professores são, atualmente, os populares que com baldes e mangueiras tentam apagar o fogo que se avizinha, perante a inação do poder. Um fogo imensamente destrutivo, claramente anunciado, que roubará o futuro ao país. E esta é uma luta de todos e não apenas dos professores. Ainda há tempo, mas não muito, para que a escola pública consiga apagar o fogo que se avizinha, do qual já se sente o calor que esmaga os seus profissionais em tarefas absurdas e desmotivadoras, que nada têm a ver com transmissão sustentada de conhecimentos, mas com exercícios pedagógicos alucinantes e alucinados de quem não conhece o terreno e se diverte a simular na tranquilidade do computador a tal escola inclusiva, que nada de novo inclui além das vampirescas tarefas burocráticas com que se julga iluminar. Tal como os engenheiros que projetam rotundas, através dos Google Maps, sem nunca irem ao terreno e, só mais tarde, verificam que afinal os camiões não as conseguem contornar.
É de terreno que a governação precisa e não de palavras sem sentido, é de apagar o fogo que se avizinha, já, com ações concretas; é, no fundo, de respeito pela educação e pelo seu papel primordial no futuro do país.


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