Não ter opinião
Das coisas que eu mais sinto saudades de ouvir, nos outros e mesmo em mim, é a lapidar frase eu não tenho opinião sobre o assunto. Não ter opinião é refrescante pois, hoje em dia, toda a gente tem opinião sobre tudo. Provavelmente a reboque das redes sociais toda a gente opina sobre o ponto ideal de cozedura de uma lasanha, ou sobre a Greta, ou sobre a Joana Vasconcelos.
Todos nós viramos uma espécie de Leonardo Da Vinci com a cultura suficient
e para opinar sobre pintura, astronomia ou o corpo humano. Mas afinal ser culto, além de requerer alguma inteligência, dá um trabalho danado. É preciso saber ler e saber ouvir, duas práticas claramente em desuso. A opinião é hoje, claramente, plástica, artificial, desprovida de cultura e carregadinha de impressões ligeiras.
Por me incomodarem as certezas de que o mundo se vê atualmente investido – o Brexit, a Catalunha, o make America great again – fui reler partes de um livro que me impressionou vivamente quando o li: a Era dos Extremos de Eric Hobsbawm, um historiador perigosamente marxista! Na parte em que o historiador analisa o período político após o fim da primeira guerra está lá claramente descrito o caldo de cultura e de ódio que desembocou na segunda guerra mundial. O nacionalismo, a xenofobia, o corporativismo, e uma Alemanha a procurar sair da âncora que lhe puseram, arrogando-se em construtora de uma nova ordem europeia. A ideia central do nós é que somos bons e puros. Mas somos contra os outros! No fundo o que se passa, em escala ainda comedida, hoje em dia.
O ódio é muito mais forte que o amor, apesar das xaroposas comédias americanas nos dizerem o contrário. O ódio mobiliza enquanto o amor é sobretudo individual. Se eu amar perdidamente a Gertrudes não o partilho. Mas, pelo contrário, se eu detestar a Gertrudes e o disser já congrego uma malta razoável que também a detesta. Parvalhona, nunca me enganou! O ódio está agora claramente à solta. E incontrolável.
Daí que não me espante o sucesso atual do Ventura. Ele percebeu que é mexendo os cordelinhos do ódio que mobiliza o pessoal. Trump fê-lo com extraordinário sucesso. Há uns anos acharíamos bizarro que um candidato à nomeação republicana focasse o seu discurso de apresentação nos mexicanos a quem chamou de violadores e traficantes. Hoje isso é marketing político e deu frutos, não só foi o candidato escolhido pelos Republicanos como foi eleito presidente dos EUA. Hoje parecem não interessar as soluções - aliás Ventura nem conhecia o programa político do seu partido – quando o mais fácil é pormos o pessoal uns contra os outros e esperar pelas sobras. Elaborar um programa político sustentado dá, como a cultura, muito trabalho. Ter soluções é uma maçada. O extremismo nunca as tem, nem quer ter. Seja à direita ou à esquerda.
Sou em política um gajo cinzento que não tem opinião sobre muitas coisas, pois as coisas são geralmente mais complexas do que o que parecem ser. Aprecio assim o cinzentismo do PSD e do PS. São confiáveis porque já foram testados. São como o cozido à portuguesa. Apesar de chatos os partidos centrais sempre souberam estar presentes, particularmente o PSD, quando a coisa deu para o torto. Deram-nos grandes bestas, mas também gente capaz e sensata. Souberam guiar-nos para um regime democrático e numa construção europeia que, infelizmente, se desboroa. As bestas são, ainda assim, controláveis por eleitores informados, por um sistema judicial forte e um escrutínio jornalístico capaz. É isso que me preocupa enquanto cidadão.
Tenho imensas dificuldades em lidar com o pessoal que vem salvar o mundo. Prefiro lidar com o pessoal que “apenas” o quer fazer um bocadinho melhor e mais justo do que no dia anterior. Quanto ao resto não tenho grande opinião.