O «estrondo»

images/opiniao/oscar-pires.jpg

Ainda em tempo de férias, é incontornável não se abordar a greve dos sindicatos Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP - fundado em Novembro de 2018) e Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM); e sequelas.
Mas, não, para se versar a concepção e institucionalização do direito à greve, ou a dos condicionamentos legais de salvaguarda do interesse público perante situações dessas, ou e muito menos, o historial objectivo dos acontecimentos e as razões a eles subjacentes, isto é, o efectivo conflito que está por detrás do ocorrente.

Nada disso!


Apenas o “estrondo”, neste caso trombónico, que a comunicação social (maioritariamente os canais televisivos generalistas; em que, sobremaneira, se incluiu a RTP) acompanhou esse diferendo laboral. E mesmo antepondo-se ao seu suceder.
Sabendo-se, como se depreende da actividade dos Sindicatos envolvidos, que uma greve do sector iria afectar o abastecimento, mormente e por ser quantitativamente (em termos de afectação) o mais sensível, e visível, o dos combustíveis fósseis, não se compreende o alarmismo com que, muitos dias antes do seu provável desencadear, aqueles meios se dedicaram a um populismo comunicativo desestabilizador e propenso a um aumento significativo da procura; o que e em muito, contribui para piorar um cenário que poderia, já de si, implicar transtornos a muitíssima, muitíssima, gente. Sobretudo pela época do ano em que aquela luta laborar iria incidir, com possíveis deslocações mais frequentes e longas; e a agravante do Algarve, que, por essa altura, sói ver a sua ocupação residencial agravada em cerca, para mais, de três vezes (lembre-se que o distrito de Faro tem à volta de metade da população do de Braga e de meados de Julho a fins de Agosto, diz-se, quase duplica a deste último). Tudo a solicitar apenas uma informação objectiva, fria e por isso mesmo isenta, para não se fomentar um clima de ansiedade propenso a tensões perturbadoras da normal vivência social e para que, dessa forma, o risco de alteração desta não fosse piorado.
Mas não foi isso que se verificou, pois, adversamente, deparamos com uma insistência frenética e emotiva, com, inclusivamente e como atrás referido, a antecipação à sua, então, só
avisada intenção.
Mal, muito mal mesmo, quando, pelo menos por estes lados, se assistiu à quase inexistência de efeitos da greve nos dias que se seguiram ao 11.
Claro que o Algarve, ou uma que outra zona de maior densidade sazonal, com a ânsia individualista de abastecimento para se não cair em panne seche, para o safar-se (acicatado pelo permanente dito “estrondo” e o tom, e teor, de muita daquela informação; aliás, parece, por vezes pouco rigorosa), assistiram a uma lógica quebra de abastecimento. Nem outra coisa seria de esperar, porque as infra-estruturas de depósito não estão, nem devem poder estar, dimensionadas para tais aumentos de consumo; que, assim, por esses dias e mesmo para o normal quotidiano da quadra, sempre carecerão de uma sobrecarga de transporte. E ao diminuí-la, a carência tende a desenhar-se nesses horizontes regionais e locais, como chegou a acontecer.
Era, pois, escusada a criação de um permanente ambiente de tensão, contrário ao interesse público e à comunicação que seria necessária. Mas a guerra das audiências, perdoe-se o arcaísmo nacionalista, o share retrocede-nos aos tempos do Agora, Tal e Qual e quejanda imprensa sensacionalista que explorava os instintos, e as emoções, mais primários para se afirmar e ganhar leitores.
É, porém, esta a televisão enviesada (predominantemente de futebol, futebol, futebol, concursos, concursos, telenovelas, entretenimento pífio, conversas de soalheiro, infortúnios, denúncias e sequentes ilícitos caseiros, etc.), que somos obrigados a ter; embora e como relata João quando lhe foi presente uma adúltera, Ele tenha sentenciado na sua doutrinação que “quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra”.
Mas, adiante, que o gado é mosqueiro.
Adiante, pois e passando ao inverso, circunscrevendo-nos portas adentro e notando a ausência de algum estrépido aonde ele aqui devia acontecer, estará o caso do verão vimaranense. Senão vejamos!
Na comparação com há alguns anos atrás e exceptuando o de 2012, por razões evidentes, o programa cultural e de entretenimento concelhio, pela quantidade de realizações, só merece
um louvor ao pelouro da cultura, que, por si ou em parceria, o preencheu totalmente. E cremos que se lançaram e confirmaram embriões que, devidamente acarinhados, podem ter um
desenvolvimento sustentado que os faça medrar, medrar e irem crescendo para aquela qualidade que um vinho velho, com um quanto baste de madeira e boa gestação, ganha em qualidade e o torna um refinado, desejado e procurado produto.
A história assim nos ensina!
Ao revisitá-la, à vol d’oiseau e sem qualquer critério, das centenas que há por essa Europa fora, os festivais de jazz de Montauban, La Folle Journée de Nantes, de Aix-en-Provence, Arena de Verona, de Avignon, de Mérida, de Olite (onde, por razões de benquerença fomos estanciar e da adufa do quarto do Parador, de longe e por a lotação estar esgotada, avistamos a representação de um auto de Gil Vicente); para já não falar no de Salzburg ou do elitista de Bayreuth.
Entretanto, tentando acompanhar o que se passa lá fora, cá dentro e um pouco por todo o lado, com raízes ainda malformadas nos géneros invocados, vão nascendo essas realizações. Precisando, tão-somente, de se irem maturando e ganhando qualidade; atributos essenciais à sua posterior imposição, quer a nível local, quer regional e nacional, ou, ainda, esvoaçando mais alto e desejavelmente, para além deste nosso rectângulo territorial ensolarado.
No entanto, para além dessa atrasada natalidade e duma dita qualidade que gere apetência, uma qualquer dessas efemérides carece de ser badalada, de ultrapassar as quatro paredes da casa depois de aí se ter implantado. E, para que isso suceda de uma forma consistente (digamos, como é gosto credenciar, científica), de um marquetingue (já é tempo de aportuguesarmos os conceitos importados e abandonarmos o colonialismo lexical) eficaz. É que, como soia dizer-se no tempo em que os animais falavam, todo o burro come palha, a questão é saber dá-la. Portanto é, é engodar o que vale a pena e fazer crescer a água na boca aos seus prosélitos, ou mesmo àqueles que, por variadas razões, não pensavam inicialmente em sê-lo mas acabam por comer o no que são induzidos, ficando a gostar e passando a activos propagandistas. Certo!
Destarte, do natural boca a boca por doces que se fazem ansiar, aos meios digitais mais avançados e redes sociais, todos eles devem ser empenhados numa batalha de promoção que, até, sendo competitiva com outros espaços, se afigura dura e porventura não imediatamente apetecível nos seus custos financeiros, mas absolutamente necessária para que o filho tenha uma infância e juventude que, mais tarde, o façam singrar e triunfar na vida.
Sem se criticar o que existe, que a informação está presente, a verdade é que é manifestamente insuficiente e, quase sempre, extemporânea e não eficiente.
Parece, assim, que é tempo de repensar o todo da informação na área da nomeada cultura. Do trabalho nela desenvolvido e que deve ser visto como um acertado investimento a longo prazo, quiçá, repete-se, desproporcionado no presente, mas de uma rentabilidade social indiscutível.

Fundevila, 28 de Agosto de 2019


Imprimir Email