O Motim
““A cidade está deserta/E alguém escreve o teu nome em toda a parte/Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas/Em todo o lado essa palavra repetida/Ao expoente da loucura/Ora amarga, ora doce/Para nos lembrar que o amor é uma doença/Quando nele julgamos ver a nossa cura.” ““A cidade está deserta/E alguém escreve o teu nome em toda a parte/Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas/Em todo o lado essa palavra repetida/Ao expoente da loucura/Ora amarga, ora doce/Para nos lembrar que o amor é uma doença/Quando nele julgamos ver a nossa cura.”
Ornatos Violeta. Ouvi Dizer. 1999.
Há umas semanas fui convidado a ir à Cadeia de Guimarães para partilhar com os reclusos a minha história de vida por convite de Filipe Fontes, numa louvável iniciativa já com algumas edições. Todos nós temos dias menos bons e eu - que julgo ter alguma facilidade em falar publicamente – estendi-me ao comprido durante a hora e meia em que lá estive. Fiquei com a exata noção do que sente uma banda musical perante um público que a ignora. Mudam de tema, mudam de estilo, mas da plateia só recebem indiferença. E, entenda-se, não culpo a plateia mas o artista. A público era numeroso pois a alternativa a me ouvirem era o de estarem na cela. Suponho, mesmo assim, que alguns se arrependeram de terem saído do seu apertado compartimento prisional. No entanto houve um momento alto e particularmente revelador do estado atual das coisas. Falei da minha infância, do Vitória (quando as coisas já se adivinhavam más tentei o futebol, mas zero, não havia lá vitorianos), da minha vida associativa (que bocejo!), de patéticas histórias pessoais, e nada. Eis então que tive o meu momento Ouvi Dizer só que o público não cantou a letra convencional mas uma letra bem diferente, foi quando eu falei do meu percurso político. Ia caindo o Carmo e a Trindade. Acordou então a plateia da letargia a que os tinha votado, com uma surpreendente convicção: os políticos são todos os ladrões, são todos uns bandidos, são todos uns interesseiros. Calei-me para ouvir a indignação da plateia e, por breves momentos, deixei de suar de incomodidade. Lembrei-lhes então, com alguma delicadeza creio, que eu estava ali sem preconceitos a falar com eles e esperava, no mínimo, que eles fizessem o mesmo comigo. Mas registarei para sempre a ironia daquele momento e a força inamovível e granítica daquela convicção. Há umas semanas fui convidado a ir à Cadeia de Guimarães para partilhar com os reclusos a minha história de vida por convite de Filipe Fontes, numa louvável iniciativa já com algumas edições. Todos nós temos dias menos bons e eu - que julgo ter alguma facilidade em falar publicamente – estendi-me ao comprido durante a hora e meia em que lá estive. Fiquei com a exata noção do que sente uma banda musical perante um público que a ignora. Mudam de tema, mudam de estilo, mas da plateia só recebem indiferença. E, entenda-se, não culpo a plateia mas o artista. A público era numeroso pois a alternativa a me ouvirem era o de estarem na cela. Suponho, mesmo assim, que alguns se arrependeram de terem saído do seu apertado compartimento prisional. No entanto houve um momento alto e particularmente revelador do estado atual das coisas. Falei da minha infância, do Vitória (quando as coisas já se adivinhavam más tentei o futebol, mas zero, não havia lá vitorianos), da minha vida associativa (que bocejo!), de patéticas histórias pessoais, e nada. Eis então que tive o meu momento Ouvi Dizer só que o público não cantou a letra convencional mas uma letra bem diferente, foi quando eu falei do meu percurso político. Ia caindo o Carmo e a Trindade. Acordou então a plateia da letargia a que os tinha votado, com uma surpreendente convicção: os políticos são todos os ladrões, são todos uns bandidos, são todos uns interesseiros. Calei-me para ouvir a indignação da plateia e, por breves momentos, deixei de suar de incomodidade. Lembrei-lhes então, com alguma delicadeza creio, que eu estava ali sem preconceitos a falar com eles e esperava, no mínimo, que eles fizessem o mesmo comigo. Mas registarei para sempre a ironia daquele momento e a força inamovível e granítica daquela convicção.
O exercício da política, em Democracia, está efetivamente de rastos. Eu sei que é desanimador ouvir e ler e perceber as notícias que nos chegam. Mas, caramba, não podemos generalizar! Qual é a alternativa: o caos? a ditadura? o populismo sempre a guinar para o lado do que incomoda, esmagando o presente com particular esquizofrenia?
A vida de um político é chata. Acreditem. Ser-se da oposição então – a única experiência que conheci – é ciclópico. Temos a sorte de existirem ainda pessoas capazes que se dão a esse trabalho sabendo, como sabem, que a sua generosidade (quando existe) é facilmente confundida com interesse. E isso desanima, no mínimo. O povo que elege os políticos nunca tem culpa. Foi enganado, mesmo quando todos os sinais são claros em nos dizer que o sr.X é um traste, mas elege-se o sr.X e a culpa nunca é do povo é sempre do sr.X e da política.
Contrariar o povo é uma chatice. É só ver a confusão instalada com a mudança, este ano, do local da Feira Medieval. A Câmara tomou uma decisão corajosa e deixou, por momentos, de disneylandarizar o centro histórico. Suponho (com alguma dificuldade) que aqueles que querem uma festa branca todos os fins de semana, ou mesmo aqueles que choram baba e ranho de saudades pelo barulho dos matrecos, dos carros de choque e da música pimba na Alameda durante as Gualterianas, gostarão de Guimarães. Agora eu como povo (espero que não muito minoritário) gostaria que a minha cidade respirasse, se diferenciasse e não se afogasse em divertimentos que tornam Guimarães uma terra igual a outras e tornam insustentável viver-se no centro histórico. O centro de Guimarães morre a cada festa, pois cada festa torna impossível que alguém com o mínimo de juízo pense em viver nele. E quando as pessoas que hoje por lá ainda resistem morrerem, e quando só incautos turistas nos aparecerem às janelas, então poderemos fazer a festa final: o enterro do centro histórico, regado com muito gin tónico e cerveja, claro. Guimarães só ganhou verdadeiramente quando teve a capacidade de se diferenciar. Quando no início dos anos 80 se uniu em torno do Plano Geral de Urbanização do Távora houve uma ideia de cidade partilhada pelas forças políticas representadas na Câmara, em contra corrente. Se então houvesse redes sociais certamente muitos indignados haveriam de gritar que Guimarães era uma vergonha pois não crescia como Braga e talvez se hesitasse politicamente. Hoje é fácil perceber que a aposta na preservação foi uma boa aposta: está aos olhos de todos. Na altura não era fácil perceber isso pois as cidades estavam obcecadas com o crescimento. O que ganhamos então por ir contra o “desenvolvimento” é aquilo que, justamente, nos diferencia hoje das outras cidades. Talvez fosse importante pensar hoje quão importante seria ter meninos a jogar à bola no centro histórico, ter casais jovens nas magníficas varandas das nossas praças, haver efetivamente condições para dar ao centro histórico a alma humana que se vai perdendo inexoravelmente, e não em tornar o centro histórico um S.João contínuo. E esse é um papel político de quem nos representa e um papel cívico em cada um de nós. O futuro do centro histórico de Guimarães encontra-se (infelizmente) hoje mais refém dos indignados do facebook do que refém, como deveria estar, de uma ideia de cidade com futuro.
Rui Vítor Costa