Perda de rendimentos e desvalorização do sector preocupam agricultores de Guimarães

A valorização da agricultura e o reconhecimento da exigência do esforço daqueles que continuam a acreditar no seu potencial são aspectos fundamentais para assegurar a sobrevivência do sector e ultrapassar o descontentamento que tem gerado protestos um pouco por todo o País.

Numa análise à realidade concelhia, o Presidente da Cooperativa Agrícola de Guimarães foi peremptório a apontar as razões que estão a levar os agricultores ao limite: "a instabilidade existente nos mercados desde a pandemia da Covid-19, agravada com a guerra na Ucrânia e agora com os problemas no Médio Oriente. Os factores de produção encareceram muito: as rações, os milhos e os adubos. No entanto, em vez dos preços pagos ao produtor subirem acompanhando a tendência que se verifica nos supermercados, onde os clientes pagam mais pelos alimentos que consomem, muitas vezes o que acontece é que os preços ainda baixam mais, o que provoca um desequilíbrio no rendimento dos agricultores". 

Antero Freitas explica que o descontentamento justifica-se também com as incertezas que levam os agricultores ao desespero. "Os agricultores estavam a contar com um subsídio, não foi anunciado que iria acontecer um corte, foi prolongada no tempo a sua atribuição. Era para ser em Novembro, depois Dezembro e chegou a Janeiro, sem que fossem concedidas as verbas que estavam à espera. Houve corte na reestruturação do novo programa da União Europeia, com impacto nos apoios esperados para quem se dedica por exemplo às culturas biológicas ou de protecção integrada... tentou-se compensar com outro tipo de subsídios e programas, mas cada vez é mais difícil aceder a eles porque requerem uma burocracia demasiado exigente", alertou o responsável, ao apontar que o sector tem "a população já com uma idade avançada". "É muito difícil para a maioria dos agricultores conseguirem cumprir as exigências e, por isso, não conseguem aceder a esses subsídios. Embora tenhamos a GESTAVE, a Cooperativa e a própria Adega que prestam apoio e ajudam, o contexto é muito difícil. Estamos num período de grande instabilidade", insistiu, sinalizando que "há muitas pessoas a desistirem, a abandonarem as terras, por não terem apoios e de quem queira dar continuidade às explorações". "O estado em que estamos provoca estas explosões de reivindicações", observou, insistindo que o trabalho na agricultura tem de ser mais valorizado no sentido de esbater "o desfasamento do preço dos produtos entre o que recebe o produtor e o que é pago pelos consumidores após atravessarem a cadeia de distribuição.

"É muito grande a diferença, tanto nos hortícolas como na carne, no leite e no vinho. Em todos os factores existe um desequilíbrio grande e está a ser difícil encontrar esse equilíbrio. Os produtos aumentam para os consumidores, mas a produção não acompanha essa tendência. Vendemos os produtos a não compensar, sem lucro, o que faz com que as pessoas que trabalham nesta actividade que é muito exigente desesperem e desistam. Temos de ter outra vez o Ministério da Agricultura em condições para ajudar", afirmou, recordando como uma boa prática a actividade das zonas agrárias. "Se queremos tratar de alguma coisa, temos de ir a Barcelos e se não conseguirmos aí temos de ir a Mirandela. Os serviços que existem em Guimarães estão cada vez mais reduzidos. Tínhamos um posto muito bom em São Torcato, que foi praticamente desactivado. Estão a passar tudo para Barcelos e para Mirandela. Não se percebe, ninguém compreende", desabafou Antero Freitas, lamentando a anunciada mudança dos serviços para as instalações do edifício de uma antiga escola nas imediações da Cadeia de Guimarães. "As pessoas que vêm da periferia vão ter de mudar muitas vezes de autocarro para lá chegarem se não tiverem automóvel. Era preferível concentrar esses serviços num outro sítio", defendeu.

"As exigências que são colocadas à produção nacional e europeia não têm correspondência nos produtos importados de outros mercados".

"A agricultura consegue gerar algum rendimento se as explorações tiverem já uma certa dimensão, se forem organizadas! Nesta região, a estrutura das explorações é de pequena dimensão, com pessoas já com uma certa idade, na faixa etária entre os 60 e os 70 anos, a ficarem já cansadas. E depois os filhos que era quem seguia com a exploração, na maioria dos casos, já não se interessam pela parte agrícola. Há um problema grave que é a desertificação da agricultura. Ninguém quer seguir com as explorações e a burocracia que existe para conseguir montar uma exploração ou melhorá-la é tremenda porque a União Europeia exige cada vez mais o bem-estar animal, a protecção integrada dos efeitos nos ecossistemas da própria exploração, a utilização de produtos mais sustentáveis, com substâncias menos activas, exigindo uma atenção e profissionalização cada vez maior, o que é difícil para as pessoas com explorações de pequena dimensão", realçou o responsável da Cooperativa que tem cerca de 300 associados, mas que mantém relações comerciais com "muitos produtores que têm os seus quintais, as hortas da varanda". "Temos muitos clientes com esse perfil. Mesmo para essa agricultura doméstica, os produtos estão muito caros", reconheceu.

Face ao contexto actual, o Presidente da Cooperativa Agrícola assinalou que "as exigências que são colocadas à produção nacional e europeia não têm correspondência nos produtos importados de outros mercados". "Em Portugal, não se produz milho modificado geneticamente, mas no Brasil, nos EUA e na Ucrânia já não é assim. Nós não podemos fazê-lo, porque as exigências são tremendas, mas depois esse produto chega de outros países e é aquilo que vamos comer, porque é desse milho que se fazem as farinhas e o pão. Isso foi uma das grandes contestações na França, os produtos que importamos dos países do Mercosul e de outras regiões não têm o controlo que nós temos, não têm a fiscalização dos produtos europeus. E os mercados estão inundados com eles porque são mais baratos. E por isso os nossos produtos também não aumentam o preço!", contextualizou. E exemplificou: "O bem-estar animal exigiu grandes obras nas vacarias para serem adaptadas com regras rígidas para a instalação dos animais. Se a exploração tiver poucos animais não se gera uma economia de escala. A própria Cooperativa funciona como a rectaguarda para muitos dos agricultores, porque as pessoas compram os produtos e depois vão pagando, mas não conseguimos aguentar isso, porque senão temos de ir à banca procurar financiamento. É uma cadeia que está a partir".

No caso da produção de leite, Antero Freitas deu conta que alguns empresários modernizaram-se, investiram e "estavam a contar com subsídios para pagar as suas despesas, mas eles não chegaram. O pior que pode acontecer a quem tem uma empresa, com contabilidade organizada, com encargos, é não ter receitas suficientes para pagar as despesas. É preciso ter muito cuidado nos investimentos por causa desta instabilidade". Acresce ainda a importância de reconhecer "o valor da mão de obra".

No seu entender, o sector agrícola exige um maior acompanhamento e interesse da parte dos serviços do Ministério da Agricultura para corresponder à burocracia existente que "cria desespero e instabilidade".
"Um País define-se equilibrado pela capacidade que tem de produzir alimentos para sustentar a sua população. Não quer dizer que seja a 100 por cento, mas há uma percentagem que tem de produzir, porque não pode estar dependente de produtos que chegam de mercados externos e de fora da Europa. Se viessem apenas da Europa, estava tudo mais ou menos regulado, mas os produtos chegam de outros países que não tem as mesmas regras e vão desestabilizar a produção que é organizada e exigente em todos os aspectos. A União Europeia tem de pensar nisso.", comentou, ao sublinhar a importância de apostar na comercialização especializada dos produtos. "O que produzimos é de excelente qualidade. Veja-se o caso da carne! Temos raças de gado, com carnes muito boas e são os espanhóis que vêm aqui comprar e são eles que fazem essa comercialização", sublinhou, enfatizando que o sector tem potencial se for devidamente valorizado.

*texto publicado na edição do jornal O Comércio de Guimarães, de 14 de fevereiro de 2024.

Marcações: Cooperativa Agrícola de Guimarães

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