Luiz Felipe: “Vou reflectir sobre hipótese de trabalhar em Portugal”

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Luiz Felipe regressou a Portugal, depois de cinco anos a trabalhar na China. O técnico terminou o vínculo com o Hubei Chufeng Heli, da 3.ª divisão, que representou nas últimas temporadas. O clube foi extinto devido à deterioração das condições para a prática desportiva decorrentes da pandemia de Covid-19. Além do Hubei Chufeng Heli, trabalhou na formação do Tiajin Teda. Esta semana, o jornal DESPORTIVO de Guimarães publicou uma notícia com o técnico.

Quais os motivos que levaram a não prolongar a estadia no futebol chinês depois de cinco anos naquele país?: "Há vários factores que contribuíram para que esta aventura terminasse. Primeiro, a época terminou, segundo, o meu contrato chegou ao fim, e, por fim, o clube que representava também fechou portas. É muito usual na China os clubes acabarem. Na época passada foram 14 de 32, este ano foram mais três, o meu foi um deles. O futebol chinês está a passar por dificuldades e com esta pandemia não me restou outra alternativa que não fosse voltar".

O que traz da experiência que se prolongou por cinco anos?: "Foi mesmo muita coisa, mas nada para que não estivesse preparado, porque já tinha trabalhado cinco anos fora do país, três na Arábia Saudita e dois no Kuweit. A questão cultural, acima de tudo, deixa marcas. Depois, o mesmo treino que fazemos em Portugal não funciona na Arábia Saudita, principalmente se for de manhã, porque eles não aparecem, na China poderá não funcionar por falta de entendimento dos jogadores do que é o jogo e o treino. Os jogadores chineses e os próprios patrões dos clubes ligam muito à questão física, trabalham duas horas de manhã, mais duas horas e meia à tarde. Tive de desmontar isso tudo, quando lhes disse que não trabalhava mais do que uma hora e meia por dia foi um problema. Ao impor o nosso trabalho, os jogadores deram o feedback deles e os resultados começaram a aparecer. Se não for assim, é difícil, sobretudo por questões culturais".

Trata-se de um adeus para sempre à China, ou apenas um até já?: "Não sei. É uma questão difícil de responder. O futebol chinês passa por problemas muito grandes. Há dois anos reduziram os salários em 50% e este ano voltaram a fazê-lo. Havia um treinador, que não é o meu caso, que ganhava 13 milhões de euros na 1.ª Divisão há dois anos e que para esta época a proposta era de três milhões. Esses treinadores iniciaram uma debandada, assim como os jogadores. Esses cortes estenderam-se aos outros escalões, o desinvestimento é muito grande. Com a crise que se instalou devido à pandemia, as pessoas questionaram o investimento elevado no futebol, que não se justificava. O futebol chinês vai levar alguns anos a ser metade do que era".

Esta crise deve-se, porventura, ao facto dos responsáveis terem começado a construir a casa pelo telhado?: "Exactamente por isso. Eles tentaram tornar o futebol chinês atractivo injectanto milhões em cima de milhões. Levaram grandes treinadores, grandes jogadores, mas a base não existia. Entretanto, esses milhões não deram grandes resultados, as equipas chineses não tiveram grande sucesso na Liga dos Campeões da Ásia e a Selecção da China falhou os apuramentos. Isso levou a muitas questões. A sensação que tenho é que cada problema que aparece, eles tentam resolver com novas medidas, que nem sempre resultam. Na base, já aparecem jogadores com qualidade, mas num país com mais de 1.400 milhões de pessoas só há sete clubes a trabalhar bem na formação, porque têm treinadores estrangeiros. Mas, perdem-se muitos bons jogadores, sobretudo por questões culturais. Dou só um exemplo: quando estava no Tiajin Teda, como coordenador, defrontámos uma escola num jogo-treino e detectei um jogador e indiquei-o ao meu clube. Mas, depois, deparei-me som situações surreais, porque aquele jogador custava uma fortuna porque as escolas podem registar jogadores. Depois, todos querem receber dinheiro, desde o treinador a outros responsáveis. E, imagine-se, para contratar esse jogador tinha de levar a equipa toda onde ele estava. Conclusão, acabámos por desistir. Na divisão em que estava, o terceiro escalão, os clubes são propriedade de comuns empresários, que se não concretizarem os objectivos fecham os clubes. Isso fecha o espaço ao crescimento e à detecção dos talentos".

Que marca entende que deixou nos clubes que representou na China?: "É uma pergunta extraordinária, que respondo com uma história que aconteceu quando cheguei à China, em 2006. Fui convidado para ser prelector num congresso em Xangai em que um dos oradores, um holandês que foi adjunto do Co Adriaanse no FC Porto (n.d.r.: Jan Olde Riekerink), foi questionado sobre a evolução do futebol chinês. Surpreendentemente, perante 500 pessoas, disse que estava no mesmo nível porque as pessoas não querem que evolua. Isso chocou-me, senti que ele até podia ter sido mais simpático. Ele saiu em 2016, no ano em que eu entrei e passados cinco anos, se me fizessem a mesma pergunta a resposta seria a mesma. A evolução é muito pouca, porque a base funciona mal. Tem muito a ver com a questão cultural. Na Federação em que trabalhei, vi miúdos com 14 anos, às 6h30, sem pequeno-almoço, a fazer uma corrida de 45 minutos. Isso não tem vantagem nenhuma. Não vejo grande abertura para que o futebol evolua".

Depois de tantos a trabalhar fora de Portugal, já tem ideia de por onde pode passar o seu futuro?: "Não costumo ficar abalado com saídas, mas contava continuar na China depois do 3.º lugar com o Hubei Chufeng Heli com uma equipa que foi feita para não descer. Por outro lado, depois de 10 anos fora, em que perdi muitos natais, os aniversários das filhas, da esposa, agora tenho um neto, está na altura de parar um pouco. Estava a sentir que quando voltava para casa num período curto a minha mala estava sempre no chão, passava a ser um objecto estranho em casa, até o cão olhava para mim de maneira diferente. Vou reflectir sobre a possibilidade de começar a trabalhar novamente em Portugal, mas se sair, espero que seja apenas em Junho. Preciso de ficar um pouco com a família, é fundamental".

Vê a possibilidade de se abrirem novas portas em Portugal?: "Tenho 55 anos, não sei que portas se possam abrir. Quero trabalhar onde tenha condições. Somos um povo maravilhoso, mas temos as nossas particularidades, não são apenas os chineses e os árabes. Achamos que todos os feitos dos outros não valem nada. O meu currículo no estrangeiro, aqui vale zero. Fui campeão na formação na Arábia Saudita 20 anos depois do último título do Al Nassr. Ganhei a Taça da Liga no Kuweit com a equipa B e depois ganhei a Taça do Príncipe. Na China, montei a Academia do Tiajin Teda, fiz dois trabalhos muito bons no Hubei Chufeng Heli. Poucas pessoas sabem isto em Portugal, muitas pessoas nem sabem onde eu estava. Utilizo pouco as redes sociais para me promover. O treinador português é bom, mas por vezes só encontra reconhecimento lá fora. Fomos habituados a desenrascar-nos cá dentro e no estrangeiro conseguimos resolver os problemas e acrescentar valor".

Gostaria de explorar outros mercados no estrangeiro?: "Claro que sim. Ainda na semana passada fui abordado por uma pessoa que me fez um convite para outro país de do mundo árabe. O meu currículo pouco vale em Portugal, onde um treinador aparece na I Liga sem ter feito muito. Mas, para o estrangeiro o meu currículo é bom. Tenho títulos, trabalhei cinco anos na China, um país muito exigente. Acredito que é muito mais fácil arranjar emprego lá fora. Quando estava no Kuweit houve a possibilidade de ir para o Goiás, do Brasil, que na altura estava na Série B do Campeonato Brasileiro. Uma oportunidade que não se concretizou, porque na minha carreira nunca estive à espera que alguém caísse para arranjar um emprego. Não fiquei triste, sou cristão e Deus lá sabe como corre a minha vida".


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