CELEBRAÇÃO: Legado da Zona de Couros "é um orgulho para Portugal"
O reconhecimento da UNESCO atribuído ao Centro Histórico de Guimarães e zona de Couros "é um orgulho" para Portugal.
Na celebração do primeiro aniversário da distinção da Zona de Couros com o título de Património Mundial pela UNESCO, realizada no dia 19 de setembro o Director do Instituto do Património Cultural fez alusão à responsabilidade associada ao reconhecimento internacional, para uma geração que tem condições únicas para o entendimento do passado.
"Nenhuma geração no passado teve a oportunidade de escancarar a sua janela de observação sobre os nossos maiores, como a nossa. Isso é uma responsabilidade renovada", observou João Soalheiro, na cerimónia que decorreu no Teatro Jordão.
"Há problemas porque os recursos económicos são escassos para tantas solicitações, temos as alterações climáticas e os fluxos turísticos alteram certas dinâmicas, mas há um problema de fundo que temos de vencer que é trazer o humano, não apenas para aquilo que fazemos e vivemos, mas sobretudo para aquilo que queremos transmitir como um legado para a próxima geração", indicou o responsável, ao reflectir que "mergulhar no tempo ao olhar para a zona de Couros" permite cumprir "o imperativo" de transmitir "o nosso entendimento, a nossa experiência, a nossa marca sobre um legado que nos transporta até tão longe".
"Guimarães não foi por acaso o epicentro da nossa portugalidade. Guimarães reuniu por um conjunto de vicissitudes históricas, nem todas ainda eventualmente inventariadas, condições excepcionais de centralidade que ainda hoje reverenciamos e não apenas por nos lembrarmos ou queremos homenagear o fundador desta comunidade que somos", considerou, ao realçar "o enorme orgulho que Portugal e os portugueses têm pelos títulos colecionados por esta ilustre Cidade que põem o País mais rico, mais partilhado, mais conectado".
O Presidente do ICOMOS Portugal alertou para as novas realidades que podem interferir na conservação do património, como as alterações climáticas que devem ser "olhadas de forma serena e com muito profissionalismo, envolvendo diferentes actores e profissionais". Orlando Sousa referiu também os efeitos dos conflitos que "são globais, com uma nova dimensão, com guerras que além das conquistas territoriais são dirigidas à destruição de algumas identidades culturais e património cultural". "Temos de nos preparar seriamente para os conflitos que nos podem bater à porta", assinalou, referindo ainda o impacto das novas tecnologias que "podem ajudar" na conservação do património.
Reconhecendo que "felizmente em Guimarães isso não acontece", o responsável aproveitou o momento para apontar que "o património arqueológico que está enterrado ou já foi exumado nos sítios património mundial também é património mundial".
Novos desafios para
a conservação do património
Com a distinção, o Presidente da Câmara de Guimarães realçou que há novos desafios que se colocam à comunidade na preservação de um "monumento único, um Bem universal", aludindo ao trabalho conjunto de várias equipas e intervenientes técnicos e políticos, num processo demorado que beneficiou do investimento feito na requalificação urbana, no âmbito da Capital Europeia da Cultura, em 2012, e da instalação de valências da Universidade do Minho e da Universidade das Nações Unidas. "Muitos achavam que era uma situação impossível de conseguir. Mas, metemos pés ao caminho e com persistência, com muito trabalho, conseguimos", afirmou Domingos Bragança, elogiando o chefe da Divisão de Património Mundial e Bens Classificados, Ricardo Rodrigues, "um arquitecto excepcional e focado" que reuniu uma equipa de trabalho e liderou o processo de candidatura a Património Mundial. "Pegamos na candidatura de Couros a Património Mundial alicerçada no projecto do Centro Histórico classificado pela UNESCO em 2001, com a reabilitação continuada e ainda há tanto que temos de fazer", reconheceu.
"A distinção é o começo da enorme responsabilidade que temos pela frente porque quando visitamos Couros percebemos a preciosidade, ao contemplar o conjunto dos tanques, as suas envolventes de antigas fábricas, a marca urbanística através de dez séculos", sublinhou, fazendo questão de constatar que "o património histórico tem uma face e um reverso".
Referindo-se à necessidade de manter a autenticidade em simbiose com a contemporaneidade, o Presidente da Câmara apontou que é um desafio integrar "as novas tecnologias, os novos confortos nas habitações e estabelecimentos comerciais ou de serviços na zona histórica classificada". Defendeu a necessidade de "bons projectos de arquitectura que permitam ampliações como a do Teatro Jordão, em que há uma parte que é preservada de autenticidade e uma construção de marca contemporânea". "Por vezes digo aos arquitectos da Câmara, não podem levar o pêndulo só para um lado e depois proibir tudo", partilhou, alertando que o futuro "vai avaliar as marcas arquitetónicas do presente, com a construção e reabilitação quer na zona classificada, quer na zona tampão".
"Esta reabilitação da zona de couros e a distinção não é estranha à existência do segundo campus universitário da Uminho e a Unidade da Universidade das Nações Unidas, ficando na zona tampão a futura Escola-Hotel do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, uma obra que "mantém a autenticidade do palácio e acrescenta uma nave". "Este trabalho demora tempo e essa situação por vezes desespera", reconheceu Domingos Bragança, ao indicar que as equipas técnicas das diferentes entidades envolvidas nos processos de requalificação devem actuar "com rigor e precisão, mas não podem criar problemas que não contam para nada!" E disse: "Numa discussão recente, a propósito do projecto da Escola de Engenharia Aeroespacial, na Fábrica do Arquinho, de repente pareceu-me que já não estavam a discutir uma porta, mas a fechadura da porta... Isso não!", advertiu, apontando a conjugação da autenticidade com a contemporaneidade como o grande desafio que se coloca ao processo de conservação da área classificada.
Na sessão comemorativa do aniversário da elevação da Zona de Couros a Património Mundial, o arquitecto Ricardo Rodrigues apresentou o livro-síntese da candidatura, detalhando todo o processo, com uma apresentação em que foram exibidos testemunhos dos membros da equipa que integrou o projecto que no ano passado mereceu a distinção na reunião do Comité Alargado da UNESCO, em Riade, na Arábia Saudita.
A vereadora do Urbanismo, Ana Cotter, recordou a sua participação na cerimónia, invocando a memória de Fernando Távora "pelo relevante contributo no processo de recuperação do Centro Histórico que foi determinante na classificação como Património Mundial da UNESCO em 2001, assim como a memória dos trabalhadores de Couros, no que diz respeito ao património classificado pela UNESCO a 19 de setembro de 2023".
Assinalando "no patamar político" a visão de Domingos Bragança assim como o seu antecessor, António Magalhães, Ana Cotter aproveitou para lembrar o que ouviu do Embaixador José Moraes Cabral, ao dizer "'isto não é um prémio, é uma responsabilidade'", e acrescentando, "uma responsabilidade das boas". "Este orgulho vem da certeza de termos líderes com visão e toda uma sociedade que nos estimula, desafia e acompanha, à altura do nosso legado".
"Sabemos que a zona de Couros é possuidora de um “valor universal, excepcional” mas, nem sempre foi assim. Em retrospectiva, este orgulho vem acompanhado de reconhecimento e gratidão a todos aqueles que souberam ver, a tempo, este Bem material e imaterial", frisou, fazendo questão de assinalar que a conquista decorre de "um sonho", mas podendo esquecer-se "que foram as pessoas, os proprietários, os que habitam a aqui trabalham, que deram o impulso que nos trouxe até este momento".
"Na Zona de Couros, a indústria de curtumes outrora presente, é uma metáfora da transformação que aspiramos. Um trabalho árduo e exigente que transforma matéria-prima, que por si só já tem qualidade, em algo belo e útil, sem lhe adulterar a “personalidade”. Vejo que Couros não é apenas como um lugar histórico, mas como o nosso legado em construção", concluiu.
Espectáculo
com recriação virtual
O programa "O Património são as Pessoas" contou com várias iniciativas, em que destacou-se o espectáculo "Na pele de Guimarães", uma recriação virtual de algumas cenas do trabalho de couro através da utilização de várias tecnologias como Vídeo mapping, projeção holográfica, light design e sonorização, na área das antigas manufacturas de curtumes. A exibição realizou-se no conjunto de tanques, junto das instalações da Fraterna, onde brevemente será iniciada a obra de renovação do edifício que vai acolher a cantina universitária.
*Texto publicado na edição de 25 de setembro do jornal O Comércio de Guimarães.
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