Memória do Cortejo Histórico que exaltou Guimarães nas Gualterianas de 1968
Quem viu não esqueceu. O Cortejo Histórico, número que integrou o programa das Festas da Cidade e Gualterianas em várias edições, continua a ser lembrado, numa espécie de saudosismo que os mais jovens têm dificuldade de compreender. Afinal, que motivos faziam dessa manifestação cultural um momento singular de exaltação da identidade vimaranense? Procuramos responder, recorrendo ao arquivo do nosso jornal, com o artigo publicado na edição de 10 de Agosto de 1968.
Há 50 anos, o Cortejo Histórico saiu às ruas de Guimarães poucas horas antes da Marcha Gualteriana, fazendo o percurso desde o padrão de S. Lázaro até à Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. "Foi uma admirável lição de história Pátria que milhares de pessoas receberam nessa tarde memorável das Gualterianas de 1968. O rigor dos trajes, a dignidade e compostura dos figurantes, a ordem na organização, imprimiram ao Cortejo Histórico foros de extraordinário acontecimento" descrevia O Comércio de Guimarães. Prosseguindo, "Eram cerca das 18h30 quando o Cortejo Histórico, organizado junto ao Cruzeiro dos Pombais, começou a subir a vetusta Rua D. João I, com as varandas e janelas dos seus prédios recamados de vistosas colgaduras que lhe davam o aspecto festivo. Abria o cortejo um pelotão de soldados da GNR a cavalo, seguido de 12 charameleiros.
Os primórdios da nacionalidade eram evocados num expressivo quadro alusivo ao Condado Portucalense. As figuras do Conde D. Henrique e de sua mulher D. Teresa, progenitores do 1º Rei de Portugal, surgem-nos com toda a sua nobre dignidade. Subordinados ao Rei de Leão e Castela, no Castelo de Guimarães tiveram a sua corte, acalentando já o sonho da independência.
A seguir uma legenda evoca-nos Mumadona, fundadora do Mosteiro do Salvador e de Santa Maria e do Castelo de S. Mamede, nos meados do século X, oriunda da mais alta aristocracia galaico-portucalense.
Eis agora o quadro de S. Mamede, onde pela primeira vez pulsou o coração indomável de Portugal. Já nada podia reprimir por mais tempo a ânsia de independência que o moço Príncipe Afonso acalentava na sua alma.
Revolta-se contra a mãe e contra o Conde Peres de Trava na Batalha de S. Mamede que se travou no dia 24 de Junho de 1128 junto ao Castelo de Guimarães, como diz a Crónica dos Godos.
Naquela tarde de S. João, raiou para sempre a Independência de Portugal. A mãe morreria, em vergonhosa penumbra, no silêncio obscuro de Lanhoso ou de algum «pazo» dos Travas e o velho aio D. Egas Moniz, com a mulher e as filhas, partiria para Toledo a oferecer a sua vida e a dos seus ao Rei de Leão e de Castela, pela palavra não cumprida. Este exemplo de lealdade do aio de D. Afonso Henriques é um dos passos culminantes do grandioso cortejo.
O moço D. Afonso Henriques prossegue no seu desígnio inalterável de formar Portugal, livre e independente.
Eclode mais tarde, em 1385, a crise da independência e é de novo Guimarães, por intermédio de Nossa Senhora da Oliveira que faz descer do Céu à terra o milagre da vitória de Aljubarrota.
Agora, o Cortejo apresenta-nos os guerreiros portugueses que em Aljubarrota se encheram de glória. D. Nuno Álvares Pereira, santo e guerreiro, vem com o seu hábito de carmelita.
Guimarães, terra de Santos, S. Dâmaso, São Torcato, S. Gonçalo, Pátria de Guerreiros, nobres da corte do 1º Rei que se entregaram à conquista de Portugal eterno, solar de escritores, como Gil Vicente, fundador do Teatro Português.
A honrosa elevação da vila de Guimarães à categoria de cidade por D. Maria II constitui outro passo admirável do Cortejo. Portugal que aqui nasceu é grande desde o Minho ao Algarve.
Atingido o Promontório de Sagres começa a sulcar os mares sob o impulso e orientação do Infante D. Henrique. Agora é Portugal-marinheiro, Portugal das descobertas que o Cortejo nos sugere com expressivo figurado.
Já vão Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, vice-reis da Índia, S. Francisco Xavier, S. João de Brito, propagadores da Fé.
Camões, com os Lusíadas, crestado pelos sóis da África, da Índia e de Macau, canta as glórias dos portugueses.
A Cruz e a Espada de mãos dadas é outra sugestiva legenda. Imponência, grandeza, majestade, são as características deste Cortejo.
Goa é e será sempre portuguesa. Angola, Moçambique, Guiné, etc, são retalhos da alma portuguesa no continente africano. Foram por nós descobertos, desbravados e civilizados.
A evocação do nosso Império no Cortejo assume aspectos emocionais, nesta hora em que os nossos soldados estão a escrever em África páginas de epopeia.
A fechar o Cortejo D. João I, descalço, sob rico pálio, caminha em direcção à Igreja de Nossa Senhora da Oliveira para cumprir o voto feito nas planuras de Aljubarrota na véspera do encontro das suas minguadas hostes com o grande exército do Castelhano invasor.
Atrás do pálio as oferendas: uma meada de ouro, o pelote de combate que o monarca usou no campo da Batalha de Aljubarrota, o altar de prata, riquíssimo tríptico conquistado aos castelhanos, etc.
Na cauda do Cortejo um pelotão de Cavalaria 6. Foi um espectáculo cheio de beleza e de grandeza que em todos deixou viva impressão", escrevia o nosso jornal, felicitando a organização em que "desenvolveu grande actividade João Xavier de Carvalho".
As Festas Gualterianas de 1968 mereceram a cobertura da RTP. https://arquivos.rtp.pt/